Policiais federais ajudariam com análise de documentos que chegam à comissão e formulação de questões para os depoimentos. Mas, segundo membros da CPI, temem retaliação.
Integrantes da cúpula da CPI da Covid avaliam como necessário o auxílio da Polícia Federal nas investigações feitas pela comissão parlamentar de inquérito, que apura responsabilidades sobre ações e omissões no enfrentamento da pandemia no país.
Entretanto, segundo parlamentares ouvidos pelo G1 e pela TV Globo, delegados resistem a participar das apurações com “medo” de serem retaliados pelo comando da corporação, subordinada ao Ministério da Justiça.
Para esses parlamentares, o auxílio de delegados seria útil, entre outras tarefas, para a formulação de questionamentos a testemunhas, elaboração de pedidos de quebra de sigilo, e análise de cerca de 100 gigabytes de documentossigilosos requisitados e já fornecidos à comissão.
“Nós tentamos, e os caras [policiais] não quiseram vir por medo, alguns delegados. O cara que vier para cá, vai ser uma coisa muito difícil para ele”, disse um senador.
Senadores independentes e de oposição ao governo são maioria no colegiado. Somente quatro, dos 11 titulares, são considerados governistas.
Um dos aliados do Palácio do Planalto na CPI, o senador Marcos Rogério (DEM-RO), apresentou um requerimento, ainda não votado, para que sejam disponibilizados delegados da PF para assessorar a tropa de choque governista.
Os parlamentares do chamado “G7”, grupo majoritário na CPI, têm receio de, após a aprovação de requerimentos, que a PF envie policiais federais com inclinação bolsonarista, o que poderia, inclusive, se tornar um obstáculo no avanço das apurações sobre o governo.
“Nunca se viu uma instrumentalização tão grande a favor do governo como está sendo feito pelo Bolsonaro. Ele não respeitou a lista tríplice da PGR [Procuradoria-Geral da República]. Ele se lixa para diretor-geral, ele nomeia quem ele quer. Ele troca superintendente da PF a bel prazer”, afirmou um integrante da comissão.
Um integrante da CPI já sugeriu uma alternativa “caseira” para essa consultoria ao grupo de senadores independentes e de oposição.
Caberia, segundo essa proposta, aos senadores Fabiano Contarato (Rede-ES) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE), ambos delegados de Polícia Civil por formação, a tarefa de analisar documentos sigilosos.
“Só que o Alessandro e o Contarato disseram: ‘Nós não temos tempo e não temos acesso a algumas coisas que a PF tem’. E você, para quebrar o sigilo de uma pessoa, tem que ter base”, disse um senador.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da comissão, chegou a propor a contratação de uma agência de checagem de fatos
Governadores
Nesta quarta-feira (26), a CPI aprovou a convocação de nove governadorespara prestarem depoimento aos integrantes da comissão.
Apesar disso, a cúpula do colegiado acredita que os mandatários estaduais não vão comparecer. Para o comando da CPI, os 27 governadores, conjuntamente, devem entrar com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) a fim de reverter as convocações.
Eles apostam em um precedente de 2012, quando o ex-governador de Goiás Marconi Perillo (PSDB) recorreu ao STF para não depor na chamada CPI do Cachoeira.
Na ocasião, o STF decidiu favoravelmente ao pleito de Perillo, que alegou não haver competência, por parte de uma CPI do Congresso, para a convocação de um governador.
Apesar de terem conhecimento dessa questão judicial, os integrantes da cúpula da CPI da Covid colocaram em votação e aprovaram os requerimentos de convocação de governadores, em uma estratégia para acalmar os ânimos de senadores governistas.
O presidente Jair Bolsonaro costuma cobrar a investigação de governadores e prefeitos que, na avaliação dele, são responsáveis por desvios e falhas na gestão da pandemia.
Ex-governador
Se, por um lado, não há interesse da cúpula da CPI no depoimento de governadores e prefeitos, que poderiam, na avaliação de senadores, desviar a CPI de seu foco, há uma expectativa grande em torno da convocação do ex-governador do Rio Wilson Witzel, já aprovada pela comissão.
Parlamentares de oposição veem no depoimento do ex-governador potencial “grande” de desgaste do governo Jair Bolsonaro. Eles dizem que Witzel se aproximou e caminhou ao lado da família do presidente na campanha de 2018.
Além disso, afirmam que Witzel “não tem nada a perder” e poderá entregar informações valiosas à comissão, por estar com “ódio no coração”, segundo avaliou um senador.
Depois de eleito governador, o ex-juiz do Rio de Janeiro se desentendeu com a família Bolsonaro, afastou-se do clã e acabou tendo o mandato cassado. “Foi a convocação que mais assustou os governistas”, relatou outro parlamentar.
Queiroga e Pazuello
Também nesta quarta-feira, a CPI reconvocou, para novos depoimentos, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e o atual titular da pasta, Marcelo Queiroga. Ainda não há datas para os novos comparecimentos.
Para oposicionistas, os dois são, para a população, a imagem do governo Bolsonaro no enfrentamento da pandemia. Por isso, a reconvocação pode colaborar, na avaliação desses senadores, para ampliar o desgaste do governo junto à sociedade.
Em relação a Pazuello, ganha força a narrativa de que, caso ele volte a mentir à CPI, um pedido de prisão do general tenha chances de prosperar.
A cúpula da CPI entende que, agora, a CPI tem respaldo maior na sociedade. E que há um clima mais favorável para uma medida dura do que o ambiente da semana em que o ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten depôs.
Nos bastidores, os integrantes da CPI dizem ter informações de que Pazuello só irá para a reserva do Exército após o término da CPI, para se valer da instituição militar como escudo contra o colegiado.
Há ainda quem aposte na possibilidade de Bolsonaro abandonar Pazuello, como teria feito com Wilson Witzel.
“O presidente não cuida de seus soldados feridos. Pelo contrário, coloca robôs para atacá-los”, afirmou um senador da CPI.
Com G1*