No Ceará a polícia investiga esquema de fraude em licitação, empresas denunciadas têm contratos com 38 prefeituras no estado
A Polícia Civil cearense (PCCE) investiga uma quadrilha que, de acordo com as denúncias, possui diversas empresas que licitam junto a prefeituras do estado. Na última terça-feira (6) foram cumpridos 15 mandados de busca e apreensão em diversas cidades. Os agentes encontraram cerca de R$ 700 mil em espécie, sem procedência, além de armas, computadores, celulares e documentos. Segundo a apuração, os desvios chegam à ordem de R$ 132 milhões. Em coletiva após as buscas, o delegado-adjunto da Delegacia de Combate à Corrupção (Decor), Marcelo Veiga, crê se tratar de “um portfólio de empresas que fica a serviço de grupos políticos corruptos.”
São três as principais empresas analisadas pela Decor. A Rota Ativa Serviços e Locações de Veículos Eireli, a BMC Ecoservice Eireli e a Maxximu’s Serviços Ltda possuíam, conforme o inquérito policial e os mandados judiciais obtidos pelo Jornal de Brasília, testas de ferro que ocultavam a real propriedade das instituições. De acordo com a investigação, Antônio Jonas Martins Mateus tinha, em diferentes momentos, Antônio Vagne Martins Cardoso, Felipe Robson Prado da Silva – morto em maio – e Bárbara Millena Morais como laranjas.
No portal de consultas da Receita Federal (RFB), a mulher é tida como única sócia-proprietária da Rota, que possui capital de R$ 1,3 milhão e possui contratos, somados, superiores a R$ 20 milhões com municípios cearenses. A Rota foi fundada em 2013 sob a alcunha AVM Construções e Serviços, num possível acrônimo de Antônio Vagne Martins, que trabalhou por anos como cortador de cana (popularmente conhecido como “boia-fria”) e, entre 2010 e 2013, como repositor de supermercado. Após mudanças no contrato social e no próprio nome, a empresa passou a figurar como propriedade de Felipe até dois dias depois de sua morte.
Em 6 de maio, Bárbara assumiu sozinha o quadro societário, mesmo registrada profissionalmente como auxiliar de escritório da Maxximu’s Serviços e Locações de Veículos Eireli, de Antônio Jonas. Um Relatório de Inteligência Financeira (RIF), do antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) – hoje Unidade de Inteligência Financeira (UIF) -, ao qual o Jornal de Brasília obteve acesso, demonstra que Jonas movimentou de forma atípica – de acordo com o documento – cerca de R$ 480 mil entre dezembro de 2012 e junho de 2017. Nesse período, ele recebeu pouco mais de R$ 95 mil da AVM, empresa da qual é apontado como real dono.
Casal trocou tiros com policiais
Além de empresário acusado de ocultação de bens, Antônio Jonas é político em Itatira, município a 150 quilômetros da capital cearense – e também filho do prefeito de Itatira, Zé Dival. Na outra passagem do pai pelo Executivo municipal, Jonas ocupou o cargo de secretário de Finanças, sendo condenado em 2011 pela reprovação das contas apresentadas ao Tribunal de Contas dos Municípios (TCM). Foi em Itatira que se deu a mais ruidosa das fases da Operação Hasta, por meio da qual a Delegacia de Fraudes Financeiras (DFF) prendeu o casal Paulo Anderson Alves Mota e Karla Andreia Cardoso de Oliveira, mais uma do clã envolvida nas denúncias, na terça-feira (6).
Os dois também são acusados de fraude em licitação e crimes contra a Administração Pública. Essa fase da investigação foi batizada de Operação Hasta – sinônimo para leilão ou venda por valor mais alto. No inquérito policial, os agentes relataram que Paulo e Karla receberam a equipe da Polícia Civil (PC-CE) com tiros. De acordo com o detido, ele “achou que se tratavam de criminosos.” Na residência foram apreendidas sete armas, sendo apenas uma com registro, diversas munições, computadores, tablets e celulares, além de R$ 14 mil em espécie. Preso em flagrante, Mota teve a prisão convertida em preventiva pela Justiça cearense. Mota é filho de Paulo Roberto, vereador da cidade.
Mota é apontado como proprietário real da BMC Ecoservice Os investigadores aferiram que a empresa funcionava nos fundos da residência de Paulo, tendo Nataniely Cardozo da Silva como laranja. A defesa do investigado alegou que um único tiro foi dado, e apenas pelo receio da violência na cidade, que, de acordo com a petição, avança a galope. Além disso, ponderou que, pela jurisprudência nacional, o valor pouco inferior a R$ 15 mil em espécie encontrado em sua casa não representam suspeitas – já que as autoridades, pela Lei Complementar 143, deve se debruçar sobre quantias superiores a R$ 30 mil.
Dinheiro na conta
O RIF, já mencionado neste texto, também mostra que Karla recebeu, entre abril de 2015 e setembro de 2017, cerca de R$ 105 mil vindos da BMC. Uma nota no documento explica que a mulher declarou ao Bradesco, onde estava registrada, que a conta “está sendo utilizada para trânsito de recursos de terceiros, não especificados.” No mesmo período, recebeu R$ 84 mil de Paulo Anderson, além de ter realizado 422 saques totalizando R$ 222 mil. A mulher também recebeu R$ 280 mil oriundos da Maxximu’s, da qual foi sócia entre 2009 e 2012 – os depósitos, porém, deram-se dois anos depois da saída do quadro societário.
Em contato com delegados e investigadores do caso, o Jornal de Brasília aferiu que a linha de investigação aponta para outros políticos, tanto do Ceará quanto de outras Unidades da Federação. Não foi possível, porém, aferir em quantos estados o grupo atuaria, por exemplo, o alcance da suposta organização criminosa ou os nomes de gestores públicos ligados ao pretenso esquema. A reportagem encaminhou questionamentos às 38 Prefeituras que possuem ou assinaram contratos recentemente com algumas das empresas.
Apenas a de Miraíma respondeu, alegando que “a BMC (…) manteve contrato de prestação de serviço, no ano de 2017, pelo exíguo prazo de 30 (trinta) dias com a Prefeitura Municipal de Miraíma”, e afirmou não ter contratos com as outras instituições investigadas.
O Jornal de Brasília tentou contato com a defesa de Paulo Anderson, mas não recebeu respostas até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto a manifestações.
Com informações do Jornal de Brasília