A segunda quinzena deste mês deixa apreensivos pesquisadores que acompanham a situação da covid-19 no Distrito Federal. Isso porque, nos últimos 15 dias de julho, houve acúmulo de mais de 30,9 mil casos da doença. Os efeitos do recorde negativo observado aparecem, aproximadamente, um mês depois, refletidos no número de mortes. Estimativas apontam que, até 30 de agosto, esse total pode chegar a 600. Ontem, um dia depois de confirmar a maior quantidade de óbitos em 24 horas, a Secretaria de Saúde contabilizou mais 55 pacientes que perderam a batalha contra o novo coronavírus (leia abaixo).
A pedido do Correio, o doutor em administração Breno Adaid elaborou uma projeção sobre as mortes na segunda quinzena deste mês, 30 dias depois da explosão de casos de julho (veja Cálculos). Somados os registros, o total de óbitos deve ficar perto de 575 — 38,8% a mais do que o verificado no início de julho. O levantamento, do laboratório R5lab, contou com a participação do pesquisador Thiago Nascimento, vinculado à Universidade de Brasília (UnB) e ao Centro Universitário Iesb, além do estudante de estatística César Galvão.
Os dados também mostram que, nos primeiros 15 dias de agosto, houve crescimento de 18,1% no número de vítimas da covid-19 em relação ao mesmo período de julho. Breno explica que o intervalo de um mês representa o intervalo que, geralmente, vai do diagnóstico até a morte do paciente. “Há um período até a pessoa vir a óbito. E, mantendo-se o tipo de tratamento até hoje, sem a criação de um remédio que combata o vírus, você terá a mesma proporção (de casos registrados no mês anterior) observada no número de mortes”, detalha o pesquisador.
Apesar do crescimento da curva em aceleração lenta, o aumento permanece em um patamar alto e, segundo Breno, pode resultar em demanda por internação de pacientes. “Se não tiver disponibilidade no sistema ou nada que faça com que ele melhore, haverá um colapso, com dificuldade para arrumar vagas (em leitos de unidade de terapia intensiva, UTIs)”, alerta Breno.
O presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira no Distrito Federal (Amib/DF), Rodrigo Biondi, preocupa-se com a taxa de lotação das UTIs do DF, índice que não apresenta uma “folga confortável”. Ele observa que o tempo médio de tratamento de pacientes que sobrevivem fica em torno de 21 dias, desde a primeira manifestação dos sintomas. “Há alguns que saem após três ou quatro dias (de internação), mas não são a maioria. Os casos que evoluem para óbito ficam por mais tempo”, afirma.
Rodrigo comenta que cerca de 5% dos infectados pelo novo coronavírus precisam de um leito em UTI. Ainda assim, o médico considera que só abrir leitos não será suficiente para controlar os casos. “É uma medida um pouco tardia. O que se pode fazer, em conjunto ou isoladamente, é testar a população com o exame PCR (de coleta de secreção do paciente) e rastrear os contactantes: pessoas do trabalho, da família. É difícil e oneroso para o Estado, mas necessário. Abrir mais leitos é o remédio quando não se tomaram as medidas necessárias lá atrás”, destaca o intensivista.
Fatores
Nesta terça-feira (19/8), o indicador de ocupação de leitos na rede privada estava em 95% (veja Situação). Na rede pública, houve a abertura e a liberação de leitos nas últimas semanas, como no Hospital de Campanha da Polícia Militar e na Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) de Sobradinho. Segundo a Secretaria de Saúde, “o aumento da oferta” e a “atuação pela atenção primária à saúde e pelas UPAs” tendem a diminuir a ocorrência de mortes no DF.
Walter Ramalho, professor de epidemiologia na Universidade de Brasília (UnB), acredita que o cenário de subida dos casos, em julho, era “anunciado”. Para ele, fatores associados a esse resultado incluem a necessidade de a população sair para trabalhar, a reabertura dos comércios e a falta de um discurso homogêneo entre governantes. “Tivemos exaustão do isolamento e da economia. Se você não tem lideranças falando na mesma direção, fica muito difícil controlar o povo. Os governos não conseguiram ter um mesmo discurso e começaram a liberar comércios, restaurantes. Sabemos que é difícil para a economia, mas é muito mais difícil termos uma população doente, com sequelas”, avalia Walter.
Apesar da queda nas temperaturas do DF no mês passado, o professor destaca que a relação do clima com um possível avanço da doença não tem comprovação. “Houve prefeitos que disseram para a população sair porque ‘o vírus não resistia ao sol do Brasil’. Isso é uma falácia, é criminoso. O tempo não tem efeito algum para a (manifestação da) doença”, pontua Walter. “Não estou dizendo que precisamos ficar trancados, mas temos de ter responsabilidade. Sabemos que uma pessoa infectada transmite o vírus, que ele fica em suspensão e que grande parcela dos contaminados é assintomática”, completa.
Com mais pessoas nas ruas, o cumprimento ineficaz das medidas sanitárias e de segurança coloca mais gente em exposição, segundo o infectologista Leandro Machado. Ele lembra que, em junho, a Organização Mundial da Saúde (OMS) atualizou a recomendação sobre o uso de máscaras de pano e cirúrgicas, mas a orientação não é conhecida por muita gente. “Se você não usar uma máscara que garanta a barreira física, você está suscetível à infecção. O foco tem de ser as medidas de prevenção. Precisamos de responsabilidade da sociedade”, salienta Leandro.
O que diz a Secretaria de Saúde (SES)
A que a SES associa o aumento observado nos números de mortes por covid-19?
O número de óbitos lançados nos boletins diários não significa que todos ocorreram no mesmo dia, mas se trata de entrada de dados sobre óbitos que ocorreram ao longo das últimas semanas. Muitos casos que evoluíram para óbito estavam sendo notificados tardiamente, o que motivou uma comunicação aos hospitais, especialmente a algumas unidades privadas. Como consequência, houve uma melhora na notificação por parte desses hospitais.
Tem havido superlotação nas unidades de saúde? Como a SES/DF lida com isso?
A ampliação da capacidade de atendimento da rede pública tem acompanhado a evolução dos casos da covid-19 no Distrito Federal, tanto na parte de assistência pela atenção primária, na detecção de casos, quanto na parte de internação hospitalar, incluindo internações em leitos com suporte de ventilação mecânica. A regulação dos leitos de UTI (unidade de terapia intensiva) é realizada pelo Complexo Regulador, que faz a busca por leito que atenda às necessidades dos pacientes e, enquanto isso, eles seguem assistidos pela equipe de profissionais do hospital onde estão internados. Ainda com relação aos leitos, é importante deixar claro que, algumas vezes, a fila ocorre devido à necessidade que alguns pacientes têm de leitos específicos.
O que pode ser feito pela pasta caso haja aumento constante das mortes nos próximos dias?
O aumento da oferta de leitos de UTI, que foi procedida nas últimas semanas com o Hospital da PM, além da atuação pela atenção primária à saúde e das UPAs (unidades de pronto-atendimento), tende a reduzir a ocorrência de óbitos no DF.