Pesquisa conduzida pela Fiocruz ouviu 9.470 jovens de todo o Brasil sobre o impacto da pandemia em sua saúde, estado de ânimo e hábitos de vida
SÃO PAULO — Os adolescentes estão sofrendo tanto ou mais que os adultos durante a pandemia. Eles se sentem isolados, tristes e irritados. Notaram piora no sono e na saúde em geral. Estão passando mais horas na frente das telas do computador, do tablet e do celular e menos tempo fazendo atividades físicas. E relatam não compreender todo o conteúdo passado nas aulas online.
É isso o que mostra a””Convid — Pesquisa de Comportamentos Adolescentes”, feita pela Fiocruz em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que recebeu questionários de 9.470 adolescentes entre 12 a 17 anos, entre 27 de junho a 17 de setembro, de todas as regiões do Brasil, de escolas públicas e particulares. Eles permaneceram anônimos. A pesquisa é uma extensão de uma feita com adultos em abril e maio.
Entre os participantes do levantamento, quase 79% dos adolescentes tiveram sentimentos de isolamento em graus variados. Só 15% nunca se sentiram tristes, enquanto 32,4% se sentiram tristes na maioria das vezes ou sempre. Apenas 7,2% nunca ficaram irritados, com 79,8% sentindo irritação às vezes, na maioria do tempo ou sempre.
Chama a atenção a discrepância entre meninos e meninas. Enquanto 6,4% deles se sentiram isolados sempre, 14,3% delas sofreram com a sensação constante de isolamento. Só 20,5% dos garotos admitiram tristeza na maioria das vezes ou sempre, contra 43,9% das garotas. Da mesma forma, 35,6% dos meninos sentiram irritação sempre ou na maioria do tempo, contra 61,6% das meninas.
— As meninas e as mulheres relatam mais problemas que os homens — explica a coordenadora da pesquisa, a matemática Celia Landmann Szarcwald, da Fiocruz. — Não que elas sintam mais. Os homens é que não externalizam tanto. As mulheres sempre falam sobre esses sentimentos em maior proporção.
Doces e chocolates para combater sintomas
Para combater a tristeza e a irritação, as meninas recorreram a um clássico: chocolates e doces. Antes da pandemia, 50% delas comiam essas guloseimas pelo menos duas vezes por semana. Durante a pandemia, o número cresceu para 58,1%. Mas o consumo de alimentos pouco saudáveis aumentou entre os rapazes também: de 42,1% para 46,9% no caso dos doces e chocolates e de 13,6% para 16,3% no caso de congelados duas vezes ou mais por semana.
Esse estado de ânimo refletiu-se no sono e na saúde. Quase 24% começaram a ter problema ao encostar a cabeça no travesseiro. E 12,1% que já tinham dificuldades viram as coisas piorarem.
Quase 30% também reportaram problemas de saúde. A idade faz diferença: enquanto 26,4% daqueles entre 12 e 15 anos disseram que a saúde piorou um pouco ou muito, 37% dos adolescentes com 16 e 17 anos encaixaram-se nas mesmas categorias. A porcentagem é similar à dos adultos que reclamaram de sua saúde. Szarcwald disse que esses dados chamaram a atenção:
— É um número muito alto para adolescentes. E eles costumam dormir como pedra. Mas se percebe que a preocupação, a modificação de sua vida em geral, a ansiedade, a incerteza, o medo de expor os familiares à Covid-19 e o fato de que muitos têm de ajudar em casa estão se refletindo na saúde e no sono.
Em geral, os adolescentes aderiram ao isolamento social. Apenas 2,9% das meninas disseram ter levado vida normal, contra 6,5% dos meninos. E 5,7% das garotas deixaram apenas de ir à escola, mantendo as outras atividades, contra 9,5% dos garotos. No total, entre eles e elas, 25,9% contaram ter ficado rigorosamente em casa.
Esses números variam bastante entre as regiões do Brasil. Enquanto apenas 2,2% dos adolescentes do Nordeste não respeitaram nenhuma medida de distanciamento social, 6,1% dos teens da região Norte e 6,8% do Sudeste disseram não ter feito nada.
Muitos seguiram as recomendações para evitar a infecção, como usar máscaras (88,8%), lavar as mãos (76,1%) e cobrir a boca e o nariz ao tossir ou espirrar (61,6%).
O perigo do sedentarismo
Com mais tempo em casa, os adolescentes ficaram mais sedentários. Antes da pandemia, 20,9% não faziam 60 minutos de exercício nenhum dia. Durante, o índice subiu para 43,4%. O tempo de tela também aumentou: 62,6% ficam mais de quatro horas usando celular, computador ou tablet, contra 38,1% antes da pandemia. O tempo na frente da tela foi de uma média de 3 horas e 20 minutos diários para 5 horas e 3 minutos durante a pandemia.
O rendimento escolar, com aulas online, também ficou prejudicado: 53,1% dos meninos e 64,7% das meninas reclamaram de falta de concentração. Os adolescentes também apontaram como dificuldades a falta de interação com os professores (38,3%) e com os amigos (31,3%). O entendimento das aulas também está prejudicado, com 15,8% dizendo não compreender nada das aulas e 47,8% afirmando compreender apenas um pouco.
O objetivo da pesquisa é fazer um alerta, segundo Celia Landmann Szarcwald, apontando para o perigo do sedentarismo, principalmente.
— Jovens são cheios de energia. Ficar parado não é bom. E o sedentarismo está relacionado com o estado de ânimo. Nossa orientação é que pratiquem pelo menos um pouco de atividade física, porque a falta dela, combinada com os quilos a mais que provavelmente vêm da ingestão de mais congelados e doces, pode causar problemas. O resto do panorama, infelizmente, não tem muito como mudar.
Fonte: O GLOBO