Analistas avaliam que Comitê de Política Monetária prepara mudanças na taxa básica de juros em 2021, em razão dos desafios fiscais para o futuro próximo. Expectativa é de que inflação continue bem acima da meta até a metade do ano que vem
A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), em manter a Selic em 2% ao ano era esperada pelo mercado, mas analistas admitem surpresa com a sinalização de que o BC poderá abandonar a perspectiva futura apontada pelo forward guidance, de manutenção da política monetária por mais tempo. A sinalização fez analistas anteciparem suas previsões de retorno da alta da Selic no ano que vem. Uma das interpretações é que o BC já está preparando terreno para agir em um cenário de complicação fiscal que está se desenhando para 2021.
O economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita, lembrou que a manutenção da Selic era esperada pelo mercado e pelo banco, mas o comunicado fez com que as previsões de aumento da taxa fossem antecipadas. “O comunicado do BC aponta uma provável retirada do forward guidance e aponta para uma projeção de inflação no cenário básico sem margem em relação à meta que embute uma alta de juros no ano que vem. O Copom prepara o caminho para ficar com uma ampla margem de manobra nas primeiras reuniões do ano”, avaliou Mesquita, ontem, durante apresentação virtual a jornalistas sobre as perspectivas macroeconômicas para 2021.
Por conta da nota do BC, segundo Mesquita, o Itaú passou a prever alta da Selic já na primeira metade de 2021. Antes, o esperado era que isso ocorresse apenas nas duas últimas reuniões do Copom no ano que vem, quando a taxa básica encerraria dezembro a 3% anuais.
“A decisão do BC sobre política monetária nos surpreendeu”, admitiu o economista-chefe do BNP Paribas no Brasil, Gustavo Arruda. Para ele, o fato de o BC afirmar que deve retirar o forward guidance, na verdade, foi inesperado. “Não achávamos que o BC retirasse esse comprometimento de que a política monetária não seria alterada tão rapidamente. E quando o BC avisa que o forward guidance vai deixar de existir, esse compromisso de que haveria um grau de liberdade acabou de existir, na nossa avaliação”, afirmou Arruda, em apresentação virtual a jornalistas sobre as novas perspectivas do banco para a economia global.
Na quarta-feira, durante a última reunião do ano, o Copom decidiu, por unanimidade, manter a Selic em 2% ao ano, menor patamar da história, pela terceira vez consecutiva no encontro do colegiado que ocorre a cada 45 dias. O BC, que adotou o forward guidance desde agosto, observou uma reversão na tendência de queda das expectativas de inflação em relação às metas definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 4%, neste ano, e de 3,75%, em 2021.
De acordo com Arruda, as previsões de alta na Selic do BNP passaram para setembro em vez do fim do ano. Ele reconheceu que as projeções de inflação, que estão cada vez mais fortes neste fim de ano, estão mudando as perspectivas de juros futuros, o que, de certa forma, pode ajudar a beneficiar os preços dos ativos brasileiros. “O mercado está antecipando o cenário de melhora da economia global com o início da vacinação, mas ele só vai ser concretizado na atividade econômica no segundo semestre de 2021”, explicou. Na avaliação dele, a inflação deverá se acomodar ao longo de 2021, voltando a ficar abaixo da meta até 2022.
“O simples fato de o Banco Central ter imposto condições (exógenas) para seguir sua orientação futura já torna a promessa menos crível. Nossa interpretação é de que o BC já prepara os mercados para uma retirada gradual dos estímulos. Consequentemente, antecipamos o ciclo de caminhada para o segundo trimestre de 2021, a partir do primeiro trimestre de 2022”, destacou Marcos Casarin, economista-chefe para a América Latina da Oxford Economics, em comunicado a clientes. Ele apostava na manutenção da Selic em 2% até o fim de 2021 e, agora, passou a prever 2,75% para dezembro.
Inflação em alta
Pelas estimativas do Itaú, é bem provável que a inflação fique acima do teto da meta, de 5,5% no meio do ano que vem. “Quando a gente olha a trajetória da inflação, ela estará em um patamar desconfortável no próximo ano, no acumulado em 12 meses, chegando a 5,8% no meio do ano. Mas, no último trimestre, deve desacelerar para 3,1% no fechamento do ano”, informou a economista do Itaú Julia Passabom.
De acordo com Mesquita e Passabom, o cenário inflacionário previsto pelo Itaú Unibanco tem características transitórias, como aponta o BC no comunicado. Contudo, eles avisam que não pode ser desconsiderado o risco de a inflação demonstrar persistência ao longo de 2021. Nesse caso, expectativas podem ser contaminadas, podendo ser incorporadas na visão de futuro.
Arruda, do BNP, por sua vez, avaliou que os riscos fiscais serão persistentes em 2021. “Esse é um debate que vai se estender ao longo do próximo ano”, afirmou. “Os países emergentes, como o Brasil, não conseguirão ter a mesma capacidade de gerar estímulos fiscais no próximo ano. Será possível fazer política monetária, mas não vai ser possível fazer política fiscal”, alertou.
BC “hawkish”
Para o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, o comunicado do Copom foi “hawkish” (ou seja, agressivo). “Independentemente da reação do mercado a uma eventual mudança no regime fiscal, o Copom vai abandonar a intenção de manter a Selic onde está, o forward guidance. O mercado entendeu que o Comitê vai elevar a Selic em meados de 2021”, afirmou. Segundo ele, a curva de juros cedeu e perdeu a inclinação com o dólar recuando com ajuda do mercado externo.
O dólar está sendo negociado próximo a R$ 5, com queda acima de 2,3%, enquanto os juros futuros recuam entre 0,2% a 1%, dependendo do prazo. José Luis Oreiro, professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), acredita que a queda dos juros futuros e do dólar está relacionada exclusivamente à melhora do cenário externo e dos avanços da vacinação na Europa. “Há uma perspectiva de retomada da normalidade no mundo desenvolvido, onde os juros estão negativos. O dinheiro do excesso de liquidez lá fora vai buscar aplicar em mercados periféricos, como o Brasil e outros, o que ajuda na desvalorização do câmbio, no controle da inflação e na manutenção dos juros futuros. Não tem nada a ver com a parte fiscal”, observou. (CB)