Antigo Hpap, Hospital São Vicente de Paulo mantém 83 leitos de internação; em 2001, governo federal promulgou novo sistema. Prazo para DF implementar nova política termina em dezembro.
Resquício de um modelo antigo de tratamento de pessoas com transtornos mentais – e prova viva do atraso do governo do Distrito Federal na implementação dos novos protocolos –, o Hospital São Vicente de Paulo (HSVP) completa 41 anos nesta quinta-feira (18). A data também marca o Dia Nacional da Luta Manicomial, quando ativistas de todo o país lembram a necessidade de humanizar o atendimento e dar fim ao “encarceramento” dos pacientes.
Até dezembro, o governo do DF deveria entregar uma rede ampliada de atendimento em saúde mental. O prazo extra foi estabelecido pelo Tribunal de Justiça no início de 2016 e, na época, A Secretaria de Saúde não tinha um plano traçado para cumprir a determinação. O projeto de reforma psiquiátrica aprovado para todo o país completou 16 anos no mês passado.
Alvo de denúncias na Justiça desde a fundação, em 1976, o antigo Hospital de Pronto-Atendimento Psiquiátrico (Hpap) ainda carrega o estigma dos antigos manicômios e sanatórios. Por mês, a unidade atende cerca de 1,2 mil pacientes com mais de 18 anos que precisam de atendimento psiquiátrico. Nesta terça (17), 82 dos 83 leitos de internação estavam ocupados.
Para a diretora do HSVP, Vanessa Gonçalves, a instituição tenta oferecer, com a estrutura disponibilizada pela rede de saúde, o tratamento mais humano aos pacientes. Ela reconhece que o espaço não é ideal.
“Desde 2011, foi determinado que não poderiam existir mais instituições de internação de longa duração ou permanente. No HSPV, recebemos pacientes que estão em crise mental aguda”, apontou. Vanessa disse que as pessoas atendidas permanecem no hospital por um período máximo de 30 dias, até “estabilizar” a crise.
O Tribunal de Contas da União fez uma auditoria em 2014 sobre a rede de atenção psicossocial e apontou que o Hospital São Vicente de Paulo, além de apresentar uma estrutura física antiga, mantinha pacientes internados “indevidamente por períodos longos, o que caracteriza a moradia hospitalar”.
CAPs e RTs
Para atender às metas definidas pelo Ministério da Saúde, calculadas com base na população de cada unidade federativa, o governo do DF teria de construir mais 19 Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), que fazem atendimentos regulares, e 25 Residências Terapêuticas (RTs), onde ficam abrigados os pacientes sem estrutura familiar ou que apresentam risco à sociedade.
O primeiro “ultimato” foi dado pelo Tribunal de Justiça do DF em 2013, a pedido do Ministério Público. Naquele momento, o Plano Nacional de Saúde Mental já estava sancionado há 12 anos, sem grandes avanços na capital federal.
No fim de 2014, quando o primeiro prazo já tinha expirado, o então governador Agnelo Queiroz entregou o cargo com 17 CAPs em funcionamento, e nenhuma residência terapêutica. Passados 2 anos e 5 meses do governo Rodrigo Rollemberg, nesta quarta, o número de CAPs e RTs em operação era exatamente o mesmo.
Em nota, a Diretoria de Saúde Mental informou que receberá três emendas parlamentares neste ano “que vão possibilitar a construção de duas residências terapêuticas até o final deste ano e dois CAPs em 2018”. O investimento, de acordo com a pasta, será de cerca de R$ 5 milhões para a construção dos CAPs. O valor destinado às RTs não foi anunciado.
A secretaria de Saúde cita outras estruturas de atendimento que, segundo a pasta, também compõem a rede de atenção: a Unidade de Acolhimento Adulto – o Adolescentro–, o Centro de Orientação Médico Psicossocial (COMPPP), o Instituto de Saúde Mental (ISM), o Hospital São Vicente de Paulo, a Unidade Psiquiátrica no Hospital de Base, a Unidade Psiquiátrica no Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib), e leitos clínicos de Saúde Mental em hospitais regionais.
Reforma na saúde mental
A reforma na saúde mental, determinada pela lei federal 10.216, foi sancionada em 2001. Um dos pontos do texto prevê a extinção progressiva dos leitos para internação de longa permanência em hospitais psiquiátricos.
A diretora do Hospital São Vicente de Paulo diz que, desde então, a unidade ficou impedida de aumentar o número de leitos ativos. Apesar disso, a redução prevista também não aconteceu, e a unidade funciona hoje com as mesmas 83 vagas.
Antes das discussões que deram corpo ao projeto de lei da reforma psiquiátrica – que tramitou no Congresso por 12 anos –, movimentos sociais já se mobilizavam pela humanização do tratamento e pelo fim dos manicômios na década de 1970.
Depois de quase quarenta anos de luta antimanicomial, o Ministério Público ainda recebe denúncias de maus-tratos, internações compulsórias e estruturas precárias em hospitais e clínicas psiquiátricas que atendem pelo SUS.
Com base nessas reclamações, o MP entrou com uma ação na Justiça em 2010 contra o Palácio do Buriti, pedindo antecipação de tutela – ou seja, uma decisão urgente – para obrigar o governo a expandir a rede de atenção. Mesmo com dois prazos estipulados, a previsão orçamentária para o setor, em 2017, não é suficiente para o cumprimento das determinações.