Um pipeiro condenado por estelionato após simular serviço de entrega de água em Quixabá (PB) já recebeu R$ 332,1 mil do governo federal, entre 2014 e 2017, além de, ao menos, quatro parcelas do auxílio emergencial de R$ 600.
Guilherme de Carvalho Negreiros foi condenado no último dia 18 a dois anos e três meses de prisão por deixar de fornecer água na comunidade do sertão paraibano, apesar de a prestação do serviço ter sido paga pelo Exército Brasileiro.
O homem recebeu R$ 9.936,10 pelo serviço, que ocorreu em janeiro de 2017. Segundo denúncia do Ministério Público Militar (MPM), obtida pelo Metrópoles, ele falsificou as assinaturas das famílias que iriam receber água do caminhão-pipa.
A condenação, que se refere a apenas um mês de entregas, ocorreu no julgamento de um recurso do réu dirigido ao Superior Tribunal Militar (STM), após ser condenado na primeira instância da Justiça Militar com sede em Recife (PE).
Guilherme, no entanto, trabalhou para o governo federal desde março de 2014. Desde então, recebeu cerca de R$ 9 mil por mês para fornecer água em carro-pipa. O serviço parou em abril de 2017.
Neste ano, o homem foi contemplado com ao menos quatro parcelas do auxílio emergencial, benefício pago pelo governo a famílias de baixa renda durante a crise econômica da pandemia do novo coronavírus.
As cotas foram pagas nos meses de abril, maio, julho e agosto, totalizando R$ 2,4 mil. Ele não está inscrito no Cadastro Único (CadÚnico) e, portanto, pediu o benefício por meio do aplicativo da Caixa Econômica Federal.
Esses números foram levantados pelo Metrópoles junto ao Portal da Transparência. O Ministério da Cidadania foi procurado para responder sobre a regularidade do auxílio emergencial pago a Guilherme, mas a pasta não se manifestou. O espaço continua aberto.
O auxílio não será devido ao trabalhador que tenha renda familiar mensal per capita acima de R$ 522,5 e renda familiar mensal total acima de R$ R$ 3.135. Além disso, a pessoa não poderia ter recebido, em 2018, mais de R$ 28.559,70.
O estelionato
Segundo foi provado nos autos, o pipeiro deixou de realizar a entrega de água nas comunidades Boa Vista I e Motorista II, ambas localizadas em Quixabá, uma pequena cidade no interior da Paraíba, que não tem 2 mil habitantes.
Para receber o pagamento da organização militar, o réu apresentou uma planilha com assinaturas falsificadas, como se fossem das pessoas interessadas em receber água e que, supostamente, atestavam a realização do serviço.
O trabalho estava vinculado à Operação Carro-Pipa, que é prestada pelo Exército Brasileiro. Via de regra, é obrigação do pipeiro realizar o transporte de água e cabe ao Exército assegurar que o serviço está sendo realizado.
A Operação Carro-Pipa começou em 2000. O governo federal contrata pessoas físicas ou jurídicas para ajudar na distribuição de água às localidades cadastradas no país. Neste ano, por exemplo, 4,7 mil pipeiros participam.
Para isso, existe um protocolo de coleta da assinatura do beneficiado pela entrega de água, que assina a planilha a cada vez que recebe o serviço. É também aferido o percurso de coleta de água no manancial autorizado pela operação.
O processo administrativo criado para apurar as irregularidades concluiu que o denunciado deixou de entregar água, sendo falsas as assinaturas dos beneficiários dessas localidades. A vantagem obtida pelo denunciado foi de R$ 9.936,10.
“Analfabetos”
Ao proferir a condenação, o ministro relator do STM Luis Carlos Gomes Mattos ressaltou que o acusado tentou justificar as alterações de grafia usando o fato de alguns dos beneficiários “serem analfabetos” e apenas “desenharem” seus nomes.
“[O réu disse que] muitas vezes alguns apontadores são analfabetos e apenas desenham os nomes, porque não sabem assinar, mas [afirmou] que não sabe o que houve apenas que não foi falsificada e foi assinada pelo apontador.”
No entanto, o sistema de rastreamento do carro-pipa indicou que o pipeiro não havia se dirigido às comunidades no dia declarado. Além disso, os supostos beneficiários confirmaram não ter recebido água em janeiro de 2017.
“Pesa em desfavor a extensão do dano do crime praticado, na medida em que se deixou uma comunidade inteira do Nordeste sem acesso a um bem essencial à vida, no período da seca, que notoriamente avassalava a região”, escreveu o juiz.
Procurado, o Comando Militar do Nordeste, do Exército Brasileiro, informou que “a administração militar não compactua com nenhum tipo de ilícito, e, nesse sentido, qualquer denúncia que chegue ao conhecimento desta instituição será apurada”.
*As informações são do Metrópoles