segunda-feira, 30/06/25
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Como está a situação em Gaza um mês após início de polêmico sistema de distribuição de ajuda humanitária

Um mês após a retomada da distribuição de ajuda em Gaza, houve repetidos relatos de assassinatos, com uma análise da BBC de dezenas de vídeos revelando caos e pânico.

Foto: AFP

 

Por BBC

Um mês após o início das operações da Fundação Humanitária de Gaza (GHF, na sigla em inglês) — um polêmico sistema de distribuição de ajuda humanitária apoiado pelos EUA e Israel em Gaza —, a análise de dezenas de vídeos feita pela BBC revelou diversos incidentes com tiros perto de pessoas que viajavam para coletar ajuda, bem como outros momentos de caos e pânico.

Em vários dos vídeos analisados, é possível ouvir tiros — e muitos vídeos mostram palestinos mortos ou feridos.

De acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas, no mês passado mais de 500 pessoas que tentavam obter ajuda foram mortas e 4 mil ficaram feridas — a grande maioria atribuída a disparos israelenses por autoridades e médicos de Gaza, bem como por testemunhas oculares.

A BBC não encontrou vídeos que permitam uma avaliação definitiva de quem é responsável pelas mortes, mas o quadro geral na região é de confusão e perigo constante.

Em declarações ao longo do mês passado, as Forças de Defesa de Israel (FDI) disseram diversas vezes que dispararam “tiros de advertência” contra indivíduos que descreveram como “suspeitos” ou que disseram representar uma ameaça.

As forças israelenses disseram à BBC que o Hamas faz “tudo ao seu alcance para impedir o sucesso da distribuição de alimentos em Gaza, tenta interromper a ajuda e prejudica diretamente os cidadãos da Faixa de Gaza”.

 

Em 18 de maio, Israel anunciou que estava aliviando parcialmente o bloqueio de ajuda humanitária a Gaza, que, segundo ele, tinha como objetivo pressionar o Hamas a libertar reféns. O bloqueio durou 11 semanas.

As FDI construíram quatro locais de distribuição de ajuda — três no extremo sudoeste de Gaza e um no centro de Gaza, perto de uma zona de segurança israelense conhecida como Corredor Netzarim — que começaram a operar em 26 de maio.

Esses locais em áreas controladas pelas FDI — conhecidos como SDS 1, 2, 3 e 4 — são operados por empresas de segurança contratadas para a Fundação Humanitária de Gaza, com o exército israelense protegendo as rotas e os perímetros até eles.

Na quinta-feira (27), o Departamento de Estado dos EUA anunciou US$ 30 milhões em financiamento para a GHF — a primeira contribuição direta para o grupo.

Desde o início, a ONU condenou o plano, dizendo que ele “militarizaria” a ajuda, ignoraria a rede de distribuição existente e forçaria os moradores de Gaza a fazer longas viagens por territórios perigosos para conseguir comida.

Poucos dias após o início do plano, dezenas de palestinos foram mortos em incidentes separados nos dias 1 e 3 de junho, gerando condenação internacional. Desde então, houve relatos quase diários de mortes de pessoas que viajavam para buscar ajuda humanitária.

Pontos de distribuição e checagem da Fundação Humanitária de Gaza — Foto: BBC

Pontos de distribuição e checagem da Fundação Humanitária de Gaza — Foto: BBC

As FDI disseram que suas “forças conduzem processos sistemáticos de aprendizado com o objetivo de melhorar a resposta operacional na área e minimizar possíveis atritos entre a população e as forças das FDI”.

O porta-voz do governo israelense, David Mencer, disse que os relatos de pessoas mortas enquanto recebiam ajuda são “mais uma inverdade”. “Não houve centenas de pessoas morrendo.”

 

A GHF negou que tenha havido qualquer “incidente ou fatalidade em ou perto” de qualquer um dos seus locais de distribuição.

Na terça-feira, a Cruz Vermelha disse que seu hospital de campanha em Rafah teve que ativar seus procedimentos de atendimento 20 vezes desde 27 de maio, com a grande maioria dos pacientes sofrendo ferimentos à bala e dizendo que estavam a caminho de um local de ajuda.

A ONU e seu Programa Mundial de Alimentos, bem como outros provedores de ajuda, continuam tentando distribuir ajuda em Gaza, mas dizem que dependem das autoridades israelenses para facilitar suas missões.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (Acnur) afirmou que o assassinato de palestinos que tentavam obter ajuda humanitária são um “provável crime de guerra”. A advogada internacional de direitos humanos Sara Elizabeth Dill disse à BBC que, se houvesse qualquer ataque intencional a civis, isso poderia constituir uma grave violação do direito internacional.

“Tiroteios em massa durante o acesso de ajuda humanitária civil violam regras fundamentais contra ataques a civis e o uso da fome contra eles, o que pode resultar em crimes de guerra”, disse ela.

 

Caos no litoral

Três vídeos, o primeiro dos quais foi publicado em 9 de junho, mostraram centenas de pessoas, algumas segurando o que parecem ser sacos de farinha vazios, escalando montes de escombros e se escondendo em valas. Várias rajadas de tiros automáticos podem ser ouvidas.

Naquele dia, o Ministério da Saúde, comandado pelo Hamas, relatou que seis pessoas morreram naquela manhã enquanto buscavam ajuda e mais de 99 ficaram feridas. No dia seguinte, relatou 36 mortes relacionadas à ajuda e mais de 208 feridos.

Não é possível verificar se alguma dessas vítimas foi resultado dos tiros ouvidos nas imagens.

A BBC conseguiu confirmar que os vídeos foram filmados a cerca de 4 km a noroeste do SDS4, no caminho para o local no centro de Gaza.

A análise de áudio dos tiros feita por Steve Beck, ex-consultor do FBI que agora dirige a Beck Audio Forensics, revelou que uma das armas soava e disparava a uma cadência de tiro compatível com a metralhadora FN Minimi e o fuzil de assalto M4.

A segunda arma, disse Beck, disparava a uma cadência “compatível” com o som de um AK-47. Não podemos determinar de quem eram as armas que disparavam, mas FN Minimi e M4s são comumente usados pelas Forças de Defesa de Israel (FDI), enquanto AK-47s são normalmente usados pelo Hamas e outros grupos em Gaza.

Em imagens publicadas no dia seguinte, 10 de junho, e filmadas nas proximidades, mais pessoas foram vistas correndo em pânico enquanto o som de tiros, seguido pelo que parecia uma explosão, era ouvido à distância. Pessoas feridas e ensanguentadas, incluindo crianças, foram vistas sendo carregadas.

A GHF tem mapas mostrando “passagens seguras” para seus locais e comunica os horários de funcionamento via WhatsApp e redes sociais.

A Fundação Humanitária de Gaza tem mapas mostrando "passagens seguras" para seus locais — Foto: BBC

A Fundação Humanitária de Gaza tem mapas mostrando “passagens seguras” para seus locais — Foto: BBC

Cada passagem tem um “ponto de início” e um “ponto de parada”, sendo que os palestinos são avisados de que não devem cruzar este último até que recebam instruções.

A GHF afirmou que esses corredores são protegidos pelas Forças de Defesa de Israel e alertou as pessoas de que cruzar esses pontos de parada, a menos que sejam instruídas, pode ser perigoso.

Mas no SDS4 não havia nenhuma passagem segura planejada para pessoas vindas do norte.

Mortes por caminhão

Também houve assassinatos perto de locais de ajuda não relacionados à GHF.

Imagens verificadas de 17 de junho mostraram pelo menos 21 corpos e várias pessoas feridas em uma estrada onde vários veículos, incluindo um caminhão de plataforma bastante danificado, estavam estacionados.

A legenda ao lado do vídeo afirma que esses palestinos foram mortos enquanto esperavam por ajuda.

No dia seguinte, várias fotos e vídeos verificados pela BBC foram postados nas redes sociais próximas, mostrando um corpo carregado por vários homens em um palete de madeira pela mesma estrada.

A GHF alegou que muitos dos supostos incidentes estavam ligados a locais de distribuição de outros grupos, incluindo a ONU. A fundação afirma que esses suprimentos de ajuda estão “sendo saqueados por criminosos e pessoas mal-intencionadas”.

Um porta-voz da GHF disse que, no geral, a organização ficou “satisfeita” com seu primeiro mês de operações, com 46 milhões de refeições distribuídas para dois milhões de habitantes de Gaza, mas que pretendia aumentar sua capacidade.

As FDI disseram que, entre outras mudanças, estão instalando cercas e placas e abrindo rotas adicionais.

“Nós levantamos preocupações [com as FDI] sobre manter a passagem segura para os que buscam ajuda, mas infelizmente alguns tentaram pegar atalhos perigosos ou viajar durante períodos restritos”, disse o porta-voz da GHF.

 

“Em última análise, a solução é mais ajuda, o que criará mais certeza e menos urgência entre a população.”

Reportagem e verificação adicionais por Paul Brown, Emma Pengelly, Lamees Altalebi, Richard Irvine-Brown, Benedict Garman, Alex Murray, Kumar Malhotra e Thomas Spencer.

 

 

 

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