Além da prefeitura, Organizações Sociais do Rio também atrasam salários e alegam demora de repasse
RIO — Em meio ao crescente número de casos de Covid-19 e à falta de vagas em Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs), cerca de 16 mil profissionais de saúde que trabalham na rede municipal ainda não receberam o pagamento de novembro. Entre as unidades afetadas, estão os dois hospitais de referência para tratar os infectados pelo coronavírus: o de Campanha do Riocentro e o Ronaldo Gazolla, administrados pela empresa pública Rio Saúde. Um levantamento feito pelo gabinete do vereador Paulo Pinheiro (PSOL), membro da Comissão de Saúde da Câmara, mostra que, para fechar o ano sem dívidas com pessoal e fornecedores, a empresa precisará de pelo menos R$ 200 milhões até dia 31 de dezembro.
A falta de pagamento também atinge as equipes de pelo menos quatro OSs. Uma delas, o Centro de Estudos e Pesquisas Doutor João Amorim (Cejam), afirma que o atraso se deve “à falta de repasses financeiros pela prefeitura do Rio, que ainda tem débitos em aberto com a entidade”.
Os atrasos são reflexo de uma grave crise no caixa da prefeitura, que contava com R$ 1 bilhão de antecipação de royalties para quitar as folhas, o que não aconteceu. A equipe do prefeito eleito Eduardo Paes calcula que o município não tem recursos hoje para quitar o 13º nem o salário de dezembro, que, somados às dívidas com fornecedores e a uma receita superestimada, gerariam um déficit de R$ 10 bilhões. Em notas, a prefeitura afirma que trabalha para fazer os pagamentos, sem dar datas.
Seriam necessários hoje cerca de R$ 80 milhões para quitar a folha de novembro dos funcionários da Rio Saúde, que cresceu muito com a saída de algumas Organizações Sociais (OSs) da prefeitura. Em 2017, o orçamento da empresa foi de R$ 126 milhões. Para 2021, a previsão é de um gasto de quase R$ 1,5 bilhão. Das 326 unidades da prefeitura, a Rio Saúde é responsável por 180, entre Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), hospitais e Clínicas da Família.
O quadro neste fim de gestão parece mais grave que o do ano passado, quando o município atrasou e parcelou o 13º dos servidores. Em 2019, a prefeitura chegou a ter as contas bloqueadas pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) para que fosse feito o pagamento dos terceirizados da Saúde.
Ontem, Paulo Pinheiro enviou um ofício ao Ministério do Público do Trabalho sobre o atraso dos salários. Ele critica a falta de planejamento do município, já que o gasto com salários está previsto no orçamento. Em sua opinião, será necessário um novo arresto nas contas da prefeitura, como no ano passado.
— Nunca vi uma situação como esta. Um governo tão deselegante, desajeitado em todas as áreas, mas foi muito pior na Saúde. Se não tem mais dinheiro na Saúde, tem em outro lugar. Os salários de dezembro são um outro problema que, provavelmente, vai ficar para o governo seguinte — critica o vereador.
Ações no TRT
O Sindicato dos Técnicos de Enfermagem também protocolou ontem uma ação de Dissídio de Greve no TRT, com um pedido de pagamento imediato dos salários atrasados. O desembargador César Marques Carvalho marcou para a próxima sexta-feira uma audiência de conciliação virtual.
O Sindicato dos Médicos, que também vai ingressar na ação, convocou uma assembleia para amanhã. Já o Sindicato dos Enfermeiros vai se reunir na sexta-feira para definir que medidas serão tomadas.
A situação do Hospital Ronaldo Gazolla, em Acari, onde ontem estavam internados 274 pacientes com Covid-19, é uma das mais delicadas. Um terço dos funcionários está sem contrato desde anteontem, já que pela lei eles só poderiam atuar por dois anos. Ontem, a Câmara Municipal aprovou um projeto que permite a prorrogação dos acordos por mais seis meses.
— Muitos médicos não foram hoje (ontem) para o Gazolla, e outros já anunciaram que não irão nos próximos dias porque não há certeza de pagamento. O contrato venceu agora, e eles sequer receberam o mês trabalhado — conta Alexandre Telles, presidente do Sindicato dos Médicos e funcionário da unidade.
Procurada, a Secretaria municipal de Saúde informou que o pagamento dos profissionais de saúde é prioridade e que os salários serão quitados “o mais breve possível”.
Enquanto a administração da saúde patina, a Covid-19 avança. Ontem, o Estado do Rio registrou 119 mortes e 3.337 casos da doença. Na rede municipal, 97% das vagas em UTI estavam ocupadas.
*O Globo