Há 150 anos, em “Viagem ao Centro da Terra”, o escritor francês de ficção científica Júlio Verne descreveu um amplo oceano existente nas profundezas da superfície terrestre. Hoje, essa estranha e assombrosa imagem encontrou eco inesperado em um estudo científico.
Em artigo publicado na conceituada revista “Nature” nesta quarta-feira (12/3), cientistas disseram ter encontrado um pequeno diamante que aponta para a existência de um vasto reservatório abaixo do manto da Terra, cerca de 400-600 quilômetros abaixo dos nossos pés.
“Essa amostra fornece, de fato, confirmações extremamente fortes de que há pontos locais úmidos profundos na Terra nessa área”, declarou o principal autor do estudo, Graham Pearson, da Universidade de Alberta, no Canadá.
“Essa zona particular da Terra, a zona de transição, pode conter tanta água quanto todos os oceanos juntos”, explicou Pearson.
“Uma das razões, pelas quais a Terra é um planeta tão dinâmico, é a presença de água em seu interior. A água muda tudo sobre a maneira como o planeta funciona”, completou.
A prova vem de um mineral raro que absorve água chamado ringwoodite, procedente da zona de transição espremida entre as camadas superior e inferior do manto terrestre, explicam os especialistas. A análise do material revelou que a rocha contém uma quantidade significativa de moléculas de água, da ordem de 1,5% de seu peso.
O manto se situa sob a crosta terrestre, até o núcleo da Terra, a uma profundidade de 2.900 quilômetros. Entre as duas grandes partes do manto – o superior e o inferior -, encontra-se uma zona chamada de “transição”, entre 410 km e 660 km de profundidade.
O principal mineral do manto superior é a olivina. Quando a profundidade e, consequentemente, a pressão aumentam, a olivina se transforma, mudando de estado. Entre 410 km e 520 km, ela vira wadsleyite e, entre 520 km e 660 km, chega a ringwoodite, um mineral que contém água.
Essa variedade de olivina já foi encontrada em meteoritos, mas nunca oriunda da Terra, justamente por se encontrar a uma profundidade inacessível.
“Até hoje, ninguém nunca viu ringwoodite do manto da Terra, ainda que os geólogos estejam convencidos de sua existência”, destacou o geólogo Hans Keppler, da Universidade de Bayreuth, na Alemanha, no editorial publicado na “Nature”.
O mineral ringwoodite foi descoberto pela equipe de Graham Pearson quase por acaso, em 2009, quando os pesquisadores examinavam um diamante marrom sem valor comercial, de apenas três milímetros, procedente da cidade brasileira de Juína, no estado do Mato Grosso.
A amostra foi submetida à análise por espectroscopia e difração por raio X durante vários anos até ser oficialmente confirmada como ringwoodite, tornando-se a primeira prova terrestre dessa rocha super-rara.
O grupo acredita que o diamante tenha chegado à superfície da Terra durante uma erupção vulcânica.
A equipe de Graham Pearson não fala, porém, em água na forma líquida, e sim, contida nesse mineral bem particular.
Ainda falta determinar, como ressaltou Hans Keppler, se a amostra de ringwoodite analisada é representativa do conjunto da zona de transição do manto terrestre.
O nome Ringwoodite vem do geólogo australiano Ted Ringwood, segundo o qual um mineral especial criaria uma zona de transição devido às altas pressões e temperaturas nessa área.
Pearson defendeu que as implicações dessa descoberta são profundas. Se existe água, em grande volume, abaixo da crosta terrestre, isso implica um possível impacto significativo nos mecanismos dos vulcões e no movimento das placas tectônicas.