Os impactos vão desde a saúde da população, com doenças transmitidas pela água, até o meio ambiente, o turismo e a empregabilidade
Os municípios com os melhores índices de saneamento e acesso a água potável investem quase três vezes mais no setor do que aqueles com os piores indicadores, mostra um ranking feito anualmente pelo Instituto Trata Brasil e divulgado nesta terça (22).
Enquanto as 20 cidades no topo da lista desembolsam uma média anual de R$ 135,24 por habitante, as 20 cidades no pé do levantamento gastam apenas R$ 48,90. Em valores totais, isso equivale a R$ 17 bilhões no primeiro grupo e R$ 3,8 bilhões do segundo em cinco anos.
Os dados são de 2020, os mais recentes, retirados do Snis (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento) do Ministério do Desenvolvimento Regional. A partir de 12 indicadores, o instituto cria uma nota apenas para os cem municípios brasileiros mais populosos.
É importante ressaltar que esses locais são geralmente os que recebem maiores investimentos e os que sustentam os melhores índices. A parcela da população com coleta de esgoto nesse grupo chega a 76%, por exemplo, enquanto no Brasil como um todo é de apenas 55%.
Ainda assim, há um abismo entre eles, que têm problemas mais complexos. Esse abismo fica claro principalmente nas pessoas com coleta (são 96% nos 20 melhores e 32% nos piores) e no volume de esgoto tratado (81% nos melhores e 25% nos piores).
“Existe uma tendência muito grande de estagnação. As cidades que ocupavam as melhores e as piores posições se mantiveram ali”, diz Luana Siewert Pretto, presidente executiva do Trata Brasil. “Os investimentos ainda são muito baixos.”
Ela ressalta que 14 dos 20 municípios no topo da lista se concentram nos estados de São Paulo e do Paraná, com as primeiras colocações sendo ocupadas por Santos (SP), Uberlândia (MG), São José dos Pinhais (SP), São Paulo e Franca (SP).
Enquanto isso, 8 dos 20 piores estão no Norte, sendo os mais mal colocados Macapá (AP), Porto Velho (RO), Santarém (PA), Rio Branco (AC) e Belém (PA). Também se destacam negativamente capitais nordestinas e cidades da Baixada Fluminense.
“Historicamente o Norte nunca teve políticas públicas com investimentos garantidos para o saneamento básico. O objetivo é que todo município tenha um plano, com metas a serem cumpridas pelas concessionárias e fiscalizadas pelas agências reguladoras. Talvez esses locais não tenham isso”, afirma Pretto.
Como considera dados de dois anos atrás, o levantamento ainda não reflete eventuais melhoras após o chamado marco legal do saneamento. Nos próximos relatórios, o instituto diz esperar que alguns desses índices subam consideravelmente.
Aprovada em julho de 2020, a legislação passou a estimular a participação de empresas privadas e definiu 2033 como meta para a sua universalização —ou seja, fornecer água para 99% da população e coleta e tratamento de esgoto para 90%.
O relatório menciona que em 2021, portanto, “houve uma mudança de comportamento por parte de estados e municípios brasileiros”, fazendo com o que o país movimentasse R$ 42,2 bilhões em leilões dos serviços em diversos locais.
No próximo dia 31 de março, as agências reguladoras dos estados devem se manifestar sobre a capacidade econômico-financeira das empresas que ganharam as concorrências. Uma das metas intermediárias da nova lei é que elas provem que têm condições de prestar os serviços.
Nos anos anteriores, os dados do Trata Brasil apontaram uma queda relativa nos gastos. Um dos índices mostra que a média dos investimentos no setor sobre a arrecadação dos municípios caiu de 21,5%, em 2018, para 21%, em 2019, e para 19,8%, em 2020.
Isso significa que mais de dois terços das cidades (69) investem menos de 30% do valor que arrecadam em saneamento, e só 8 desembolsam mais de 60%. O número considera o valor gasto tanto pelas concessionárias quanto pelo poder público.
“Hoje investimos R$ 13 bilhões por ano [somando o país todo]. Precisamos chegar a R$ 40 bilhões”, afirma a presidente do instituto, citando estimativas feitas pela Abcon Sindcon (Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto).
A baixa cobertura tem consequências que afetam as cidades em diversos aspectos. Um levantamento anual da Folha mostrou no fim do ano passado, por exemplo, que o Brasil não tem conseguido avançar na limpeza de seu litoral.
O volume das praias consideradas boas (37%), ou seja, próprias para banho o ano todo, foi igual ao registrado em 2016, primeiro ano da coleta dos dados. Também estacionaram os locais classificados como regulares (25%) e ruins (9%).
Os impactos vão desde a saúde da população, com doenças transmitidas pela água, até o meio ambiente, o turismo e a empregabilidade. “Quando se tem saneamento, cria-se todo um ambiente propício para as pessoas prosperarem”, diz Pretto.
Por FolhaPress*