Porto Alegre – A chefe da Polícia Civil (PCRS) do Rio Grande do Sul, delegada Nadine Anflor, afirmou em entrevista ao Metrópoles que “é evidente que há um racismo estrutural na nossa sociedade; agora, para isso se transformar em crime, eu preciso de provas”. A chefe da PC gaúcha garante, porém, que caso a investigação aponte para racismo como motivação para o assassinato de João Alberto Silveira Freitas, homem negro de 40 anos espancado até a morte por dois seguranças de um Carrefour na capital gaúcha, na noite de quinta-feira (19/11), o crime será considerado como por “motivo torpe”.
“Agora eu não posso dizer nem que há nem que não há (racismo), porque eu não tenho esses elementos. Se ao final eu tiver esses elementos, vou indiciar por motivo torpe. Se eu conseguir identificar que ele foi agredido pelo fato de ser negro.”
O motivo torpe é a razão repugnante, abjeta, vil, imoral, “que demonstra sinal de depravação do espírito do agente”, um agravante que faz a pena aumentar para de 12 anos a 30 anos de prisão, em caso de condenação.
A postura da chefe de Polícia é levemente diferente, mas não desautoriza a avaliação da delegada responsável pelo caso, Roberta Bertoldo, da 2ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa, responsável pela investigação sobre o assassinato de João Beto, que disse, na tarde dessa sexta-feira, Dia da Consciência Negra, que não via, “até o momento, alguma conotação racista”.
Os dois seguranças – um deles, policial militar temporário, em contrato de emergência na Brigada Militar gaúcha – foram filmados espancando com socos e chutes repetidos João Beto. Ambos ouviram repetidos apelos, inclusive da esposa da vítima, que o acompanhava no mercado para comprar pão, e implorava para que o soltassem.
Após ele ter sido agredido e imobilizado no chão, os dois ainda subiram no homem e o mantiveram preso ao chão, em uma cena que lembra o homicídio de George Floyd, nos Estados Unidos.
“Até o presente momento não há nenhum indicativo de que tenha alguma conotação racista. O inquérito policial se iniciou hoje. Nós temos vários dias para apurar esse fato, de forma bem ampla, podendo, nesse período, vir à tona algo nesse sentido ou não. O racismo é um outro fato criminoso completamente diferente do que aconteceu aqui. Não tem nada a ver”, afirmou Bertoldo, a delegada da 2ª DHPP, em entrevista ao Metrópoles.
De acordo com ela, os dois seguranças, que espancaram o homem negro na frente de uma unidade do supermercado Carrefour de Porto Alegre no bairro Passo D’Areia, foram indiciados inicialmente por homicídio triplamente qualificado.
A chefe de Polícia, Nadine Anflor, explica as três razões: motivo fútil, asfixia e recurso que impossibilitou a defesa da vítima. Apesar de não afirmar que o crime tenha tido motivação racista, a delegada reconheceu que o caso não escapa do preconceito, ao citar o “racismo estrutural” na sociedade brasileira.
Tão logo a morte de João Alberto, conhecido como João Beto, ganhou repercussão começaram a circular em grupos de WhatsApp alegações sobre ocorrências policiais envolvendo a vítima. Nadine Anflor deixou claro que o passado da vítima não tem importância no caso.
“Neste momento não interessa, ele é a vítima.”
Problemas a serem resolvidos
Para Nadine Anflor, o caso de João Beto é um alerta para outros problemas da segurança pública que precisam ser repensados. Um dos problemas que ficaram visíveis é o caso de empresas de segurança comandadas por policiais militares, como o caso da Vector Segurança, que contratou os dois seguranças que assassinaram João Beto. “Obviamente preocupa, isso talvez tenha que ser revisto, a análise de quem treinou.”
Anflor destaca que o momento é importante para que as políticas de segurança sejam repensadas. “Todo fato serve como um alerta para muita coisa, para as empresas de segurança, para a sociedade, que está tão intolerante. É um alerta para que o Estado comece a discutir melhor o seu papel.”
Outro fator que chamou atenção no episódio foi o de policiais estarem envolvidos com trabalhos de segurança fora do expediente. Um dos homens envolvidos no crime é um brigadiano (forma como são chamados os policiais militares no Rio Grande do Sul, integrantes da Brigada Militar) temporário, contratado de forma emergencial, categoria considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Primeira mulher a comandar a Polícia Civil do Rio Grande do Sul, Nadine Anflor diz que sua maior preocupação é que novos casos como o de João Beto se repitam. “Tenho que pensar como é que eu evito que outra morte aconteça. A gente não quer que outras pessoas morram nessas situações.”
*Do Metrópoles