*Frutuoso Chaves
Estarrete, na gostosa pronúncia do interior. Mas também podem chamá-lo de Durango Kid. Naqueles finais da década de 1950, os pés de fícus de Pilar – ainda hoje uma moldura vegetal para o trecho de rua entre a Cadeia e a Igreja – mostravam-se aos primeiros raios de sol com novidades atadas aos troncos: cavaletes de madeira e papelão onde Seu Zé Ribeiro, o dono do cinema, colava os cartazes do filme do dia. Fazia isso, com a invariável ajuda do menino Jiló, antes que a cidade acordasse para os cuidados dos fins de semana, entre eles a feira livre do sábado e a missa do domingo.
A bem da verdade, tínhamos como “cinema” o mero exercício das projeções numa parede do Mercado Público quando Seu Zé ainda não havia erguido as do Cine Ideal, empreitada a que daria bom cabo, senão sozinho, com a mesma e precária ajuda daquele menino para a exposição dos cartazes. Fosse Don Quixote, Jiló seria Sancho Pança. Pensando bem, sob certo aspecto, ambos assim o foram.
“Hoje tem Charles Estarrete”, vibrava Porroínha, ajudante do meu pai nos serviços da Padaria, ao divisar, num daqueles troncos, o moço de camisa enfeitada, lenço no pescoço, chapéu de aba larga e revólver em punho. Um alto-falante do tipo trombeta, pregado num poste, também alardeava aquilo que porventura escapasse de olhares mais negligentes para os pés de fícus da rua principal. Seu Zé, em pessoa, não economizava adjetivos para o chamamento do distinto público ao grandioso filme estrelado pelo mais rápido e destemido dos caubóis do cinema americano.
Diga-se de Charles Starrett que possuía o nome de batismo associado ao personagem. Não era, por exemplo, como Roy Rogers, nascido Leonard Franklin Slye. Pode? Era Charles e pronto. Decerto, a identificação tão forte do artista com o mocinho por ele interpretado devia-se ao fato de que seu personagem detinha nomes diferentes em filmes sucessivos. Steve era o mais frequente. Mas, também, podia chamar-se Halley, Norris, Reynolds ou Tracey. O nome Charles resumia tudo de muito bom modo até porque, quando a encrenca aumentava, o moço vestia preto, botava uma máscara e virava Durango Kid, fita após fita.
Há outras singularidades. Ao contrário do Zorro ou do Super-Homem, dois outros personagens de dupla identidade, Steve – desculpem, Charles Starrett – não se fazia de medroso nem fraco em trajes civis, digamos assim. Às vezes, aparecia como xerife e, em todos os casos, partia para o cacete ou o tiroteio. Mas era quando virava Durango Kid que mais sucesso fazia. Por trás da máscara, podia agir ao arrepio da lei e detonar qualquer bandido, sem dó nem piedade. Caso entendesse, mandava um calhorda daqueles para os quintos do inferno sem esperar por juízes nem sentenças.
A exemplo das multidões pelo mundo a fora, Porroínha, na pequena Pilar, o adorava. E não entendia quando eu não parava de falar em “Mogambo”, o filme que, naquele tempo, me apresentou Grace Kelly e Ava Gardner. Depois disso, não mais liguei para mocinhos e bandidos. E tem mais: em meados da década seguinte, quando a vida real bateu nos costados do Brasil com a ditadura, eu e os da minha geração passamos a ver filmes de cavalaria a fim de torcer pelos índios.
* Jornalista profissional com passagens pelos jornais paraibanos A União (Redator e Chefe de Reportagem), Correio (Redator e Editor de Economia), Jornal da Paraíba (Editorialista), O Norte (Editor Geral), O Globo do Rio de Janeiro e Jornal do Commercio do Recife (correspondente na Paraíba, em ambos os casos). Também pelas Revistas A Carta (editada em João Pessoa) e Algomais (no Recife).