Maria José Rocha Lima[1]
O professor doutor Alberto Nery, presidente do Instituto de Psicologia e Logoterapia, em suas aulas do Curso de Formação Fundamental em Logoterapia, brindou-nos com histórias fascinantes sobre o famoso Jean-Martin Charcot (1825 a 1893), mundialmente conhecido pelas experiências com o uso da hipnose no
Hospital Salpêtrière, em Paris.
Charcot tornou-se médico do Salpêtrière em 1862 e a partir de 1870 passou a se dedicar exclusivamente à histeria. Na segunda metade do século XIX, tornou o Hospital de Salpêtrière um centro de estudos psiquiátricos mundialmente famoso, conhecido também como o Versailles da Dor, atendendo mais de 5 mil pacientes.
Charcot recebia a nobreza de outros países, como o Czar da Rússia e Dom Pedro II. Dom Pedro II era um de seus pacientes e foi tratado com a recém-descoberta cafeína. Deu de presente a Charcot um sagui-fêmea (Zibidie) e uma arara (Harakiri). Foi Charcot quem assinou o atestado de óbito de Dom Pedro II, em 1891.
As terças, ele e sua esposa abriam as portas dos salões de sua casa, no Boulevard Saint Germain, para receber a alta burguesia, a nobreza de outros países, escritores, médicos, políticos, artistas, cantores e compositores. Era amante da música, da arte e de histórias sobrenaturais. Tinha um serviço de fotografia chefiado por Albert Londe. O próprio Charcot era um exímio desenhista. Fez muitas ilustrações dos quadros patológicos que descrevia e tratava.
Freud chegou a Paris como neurologista e saiu como psicanalista, ou pelo menos com a semente da Psicanálise. Estudou com Charcot entre 1885 e 1886. Segundo Freud, “Charcot não era propriamente um pensador, e, sim, dotado artisticamente de uma natureza talentosa, era um visual, um ser vidente… Diante de seu olho do espírito se ordenava o aparente caos… e assim surgiam novos quadros clínicos”. Freud considerava cada lição: uma pequena obra de arte em termos de construção e composição. Na época, Freud era noivo de Marta e escreveu para ela: “talvez eu possa ser igual Charcot”, mas considerava “não ter condições favoráveis”, pois julgava não possuir “o gênio e nem o poder de obtê-las”. (Quinet citado por Nery, 2005, p.80)
Charcot modernizou o Salpêtrière, rompendo com a visita ritual dos médicos ao leito dos doentes, fazendo-os vir a seu gabinete e aí examinando – os, diante do público de assistentes (médicos e depois leigos). Utilizando a hipnose, ele criava e desfazia sintomas dos pacientes para diferenciar a histeria das doenças neurológicas e conferir-lhe status de uma moléstia específica com suas próprias leis e manifestações. Suas aulas eram apresentações que aconteciam todas as sextas e terças – feiras. As terças eram aulas para médicos do serviço e às sextas eram aulas abertas ao público, composto de médicos e leigos.
O Hospital Salpêtrière foi criado por édito real de 1656 para os mendigos da cidade, enfim, criado para a mendicância e vagabundagem, para aqueles que davam origem a todas as desordens e crimes que ocorriam em Paris e seus arredores. O nome tem origem porque foi construído no local de uma antiga fábrica de pólvora, cujo componente principal é o salitre – francês, salpêtre. (Quinet, 2005). O Hospital Salpetriere era um refúgio que atendia 1.460 pessoas em 1661. Abrigava mendigos, epilépticos, paralíticos, aleijados e vítimas de doenças mentais ainda tidas como manifestações demoníacas.
Em 1680, um édito real determinou que o Hospício de Salpêtrière fosse também uma prisão para as prostitutas presas nas ruas da cidade. Gemidos e impropérios gritados todo o tempo e a grande infestação de ratos não permitiam o descanso de ninguém. Seu primeiro capelão foi São Vicente de Paula, dedicado inteiramente a aliviar o sofrimento dos internos mais miseráveis.
No Hospital Salpetriere ocorreu um dos mais hediondos episódios da Revolução francesa, le massacre de La Salpêtrière, em 3 e 4 de setembro de 1792. Bêbados decidiram libertar as prostitutas e as demais mulheres, doentes mentais, alcoólatras e portadoras de deformações físicas, que foram arrastadas para a rua e massacradas à vista do povo. O Hospital Salpetriere depois de Charcot teve como expoente Philippe Pinel, que no início do século XIX fez a remoção das correntes e promoveu a humanização do tratamento dos doentes mentais.
[1] Maria José Rocha Lima é mestre em educação pela UFBA e doutora em psicanálise. Foi deputada de 1991 a 1999. É diretora na Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise. – ABEPP-. É presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira. É da Organization Soroptimist International- SI Brasília Sudoeste. Sócia Benemérita da Hora da Criança.