Alto Paraíso de Goiás sofre com lixão a céu aberto, falta de esgoto, expansão urbana descontrolada e parcelamento irregular do solo
Foto: reprodução/Instituto Biorregional Cerrado
Goiânia – Conhecida pela sua diversidade de cachoeiras, na Chapada dos Veadeiros, a cidade de Alto Paraíso de Goiás, no nordeste do estado, vive a iminência da explosão de ocupação desordenada do solo. Expansão urbana descontrolada, falta de rede de tratamento de esgoto, quedas de energia elétrica e lixão a céu aberto tomado pelo fogo põem em colapso a qualidade de vida da população
Com 7,7 mil habitantes e localizada a 425 km de Goiânia, Alto Paraíso atrai milhares de visitantes do Brasil e do mundo. No entanto, a cidade, vista por turistas como um oásis no meio do Cerrado, concentra 36 regiões com parcelamento irregular do solo, com construções ou cercamentos. No total, equivalem a 2.936 campos de futebol.
Veja vídeo do incêndio no lixão:
Os dados são de levantamento repassado ao Metrópoles pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). No total, desde 2019, já foram aplicadas multas no valor de R$ 4 milhões por causa das irregularidades no município, que é localizado na região considerada Patrimônio Natural da Humanidade, onde fica o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros.
O Plano Diretor de Alto Paraíso está sem revisão há 12 anos, em meio à forte onda da especulação imobiliária. O parcelamento do solo em imóveis rurais é passível de licenciamento ambiental, segundo o Decreto Estadual 10.054, de 25 de fevereiro deste ano, mas, de acordo com a Semad, esse tipo de permissão “não foi evidenciado” nessas áreas.
Desde que observadas as exigências da legislação, o desmembramento imobiliário em área rural pode ser autorizado para a formação de chácaras, assentamentos, ecovilas, condomínios e ocupações de segunda residência ou lazer, por exemplo. Cada município brasileiro tem uma área mínima que a lei permite desmembrar.
Em Alto Paraíso, segundo a legislação, o desmembramento irregular do solo ocorre no caso de um imóvel rural ser dividido em áreas com menos de 4 hectares, cada uma. Essa medida é a Fração Mínima de Parcelamento (FMP), definida pelo Sistema Nacional de Cadastro Rural do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
“Muitos problemas”
O promotor de Justiça Rodrigo Marambaia diz que o Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) tem procedimentos instaurados para investigar “muitos problemas relacionados ao parcelamento irregular do solo por causa da expansão imobiliária na região”. O órgão também apura o atraso na revisão do plano diretor.
O prefeito Marcus Rinco (União Brasil) afirma que tenta buscar solução para a revisão do plano diretor e confirma a existência de “muitas ocupações irregulares em áreas rurais que estão sendo parceladas indevidamente, com tamanho abaixo do módulo de 4 hectares”. Segundo ele, a prefeitura ainda realiza estudo para saber o total de glebas em situação irregular.
Coordenadora do Grupo de Trabalho do Turismo em relação ao Plano Diretor, Mércia Beatriz de Miranda diz que o colegiado ainda está “estruturando a metodologia de trabalho”. “O plano existente é muito grande, e ainda não conseguimos atualizar a leitura para um posicionamento”, afirma.
Algumas regiões do município, como Aeroporto, distrito de São Jorge, KM 12 e Estrada das Loquinhas, estão entre as mais castigadas pela falta de revisão do regramento da cidade e as que concentram parcelamento irregular do solo em área rural. “Há mais de 500 lotes em situação irregular com relação ao tamanho da gleba rural”, diz o prefeito. “Vejo isso com certa preocupação”, afirma.
Presidente do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Comdema), Melissa Viana destaca ter muita preocupação com a expansão urbana desenfreada na cidade. A situação, segundo ela, só piora a falta de infraestrutura básica. O lixão está pegando fogo desde o dia 1º de setembro, exalando fumaça tóxica no município, que ainda não tem aterro sanitário.
Famílias desalojadas
“Imagina dobrar o número de habitantes de hoje, se constantemente faltam água e luz e não tem esgoto?”, questiona Melissa. “Recentemente, muitas famílias tiveram de ser evacuadas do lixão, que ainda está pegando fogo. Mais de 30 famílias foram desalojadas de suas casas por conta do incêndio criminoso no local”, diz ela.
Em 19 de julho deste ano, o juiz federal Eduardo Luiz Rocha Cubas multou o município em R$ 50 mil por não buscar solução para a gestão de resíduos sólidos produzidos pela população. A decisão também fixou prazo de 90 dias para que o prefeito cumpra a obrigação, decorrente de Termo de Ajuste de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público.
A Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil informou, no dia 2 deste mês, que Alto Paraíso é uma das oito cidades da Chapada dos Veadeiros e região que estão em situação de emergência por causa de incêndios florestais. O fogo criminoso deixa a situação da região ainda mais delicada.
Água e esgoto
Em nota ao Metrópoles, a empresa Saneamento de Goiás (Saneago) informou que, em função do Novo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei nº 14.026/2020), está legalmente impedida de realizar investimentos no município, como os necessários para implantação de sistema coletivo de esgotamento sanitário. O motivo é contrato vencido com a prefeitura.
“Todas as tratativas para a renovação do contrato, inclusive para implantação do sistema de esgotamento sanitário, foram realizadas. Entretanto, as obras foram inviabilizadas, visto que a Saneago está com contrato vencido com o município, desde novembro de 2008”, diz a nota.
A Saneago informou que, de qualquer forma, mesmo sem o contrato assinado, continua atendendo ao município com qualidade e regularidade. Segundo a companhia, o serviço de água tratada já é universalizado, com 100% da população beneficiada.
Energia elétrica
A Enel, responsável pela energia elétrica em Goiás, informou que, em média, o número de quedas de energia apresentou redução de 72%, em Alto Paraíso. Passou de 57,76 vezes ao ano, em 2017, para 15,91 vezes ao ano em 2021 (redução de 72%). Segundo a empresa, a duração média das quedas ao ano caiu 58%, saindo de 96,57 horas para 40,76 horas.
A empresa também confirmou aumento de 33% por demanda de energia elétrica na cidade, por causa das “novas conexões urbanas e rurais”, desde que assumiu o serviço de distribuição no estado. O número de unidades consumidoras passou de 3.790, em 2017, para 5.052, neste ano.
A Delegacia Estadual de Repressão à Crimes Contra o Meio Ambiente (Dema) tem realizado operações para coibir o parcelamento irregular do solo na região. A Semad informa que periodicamente fiscaliza as áreas mediante denúncias e requisições de outros órgãos públicos, como MPGO e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Com informações do Metrópoles*