Maria José Rocha Lima
“Me lembro da mão dele na minha testa quando eu ficava doente. É uma lembrança muito forte, muito nítida. Eu não sabia ainda o tamanho daquela mão.” (Candinho, o filho único de Portinari)
João Cândido Portinari é o filho único do pintor Candido Portinari, um dos maiores nomes do modernismo brasileiro, que o deixou como herdeiro dos seus direitos autorais. É uma vasta obra, que chega perto de cinco mil trabalhos, entre desenhos, pinturas e murais. Além disso, João Cândido recebeu do pai uma coleção especialmente selecionada para ele. Quanto acertada foi a decisão de Portinari, ofertando carinhosamente ao seu filho essa coleção especial! João Cândido Portinari, o chamamos carinhosamente por Candinho, ele só podia ser severo e exigente, mas de uma ternura grande o suficiente para entender o valor e tamanho da obra do pai, um dos gigantes da pintura brasileira.
Neste nosso país, de cultura cívica rústica, que tão pouco valoriza a arte e os seus artistas, Candido Portinari Filho foi buscar inspiração para o seu trabalho de curador da obra do pai, visitando o Museu Van Gogh, na Holanda. Ali, ele teve a ideia de criar o Projeto Portinari, cujo objetivo é divulgar a obra do pintor, e percorreu dezenas de países catalogando as obras do pai. O projeto Portinari é responsável pela localização e disponibilização desse patrimônio artístico para o público.
Embora João Cândido seja matemático formado em Paris (1960), com doutorado em engenharia de telecomunicações no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (1966), mais parece um poeta ao se comunicar. Ele é lírico, uma pessoa de extrema gentileza, disponibilidade e franqueza, sem nenhuma afetação pela fama internacional de Portinari, dirigindo, há quase seis décadas, o projeto que leva o nome do pintor. Ele tem uma compreensão tão profunda e terna sobre a arte do seu pai para a educação que é sempre importante e emocionante conversar com ele.
Em 2001, conheci João Cândido e fiquei perdidamente encantada com o seu lirismo e compreensão sobre o papel da arte e da obra de seu pai para a educação. Na época ele doou à Comissão de Educação da Câmara dos Deputados –CECD- uma coleção de obras, que foi exposta em salas de aula no Projeto de Alfabetização Volta aos Estudos, para Alfabetização de Funcionários das Empresas Terceirizadas que atuavam na Câmara dos Deputados.
Ele escreveu uma mensagem, que me conquistou para a difusão e busca da aplicação da obra de Portinari na educação, sempre que possível. Se poder eu tivesse, este seria o ministro da Educação do Brasil. Vejam que lhaneza: “Cara Zezé, a sinergia entre Portinari e as crianças é muito maior do que geralmente se pensa, sobretudo quando vêm a mente obras dramáticas como Os Retirantes etc. Mas a vertente lírica de sua obra, particularmente a infância, é tão pervasiva e poderosa quanto o drama. Subestima-se também a aptidão que as crianças têm naturalmente para compreendê-lo e amá-lo”.
Para comemorar o Centenário de Portinari, eu, como assessora para a área da educação, atuando junto à CECD, elaborei um projeto de resolução que tornava obrigatória a publicação de suas obras, na capa das pastas distribuídas aos deputados, contendo as matérias em pauta. E cada deputado da Comissão de Educação recebeu uma coleção com reproduções, em papel couché, de pinturas que retratavam crianças, ou temas infantis, além de outras reproduções. Recentemente, a ex – deputada e atual vereadora de Sorocaba Iara Bernardi me contou que emoldurou todas as obras que recebeu e compôs um painel em lugar especial da sua casa.
Em 2006, ele doou uma imagem para ilustrar a primeira publicação sobre o Fundeb, realizada pelo INEP/MEC, da minha autoria, em parceria com Vital Didonet.
Nesse período viajei para Angola, para elaborar o Programa de Alfabetização- Angola Bem Alfabetizada, e me deparei com muitas pinturas de Portinari, retratando crianças e trabalhadores negros, e resolvi apresentar a sua obra aos 200 professores alfabetizadores, sendo tão apreciada que resolvi realizar uma exposição no saguão do Ministério de Educação de Angola, com a assessoria do jornalista Adênio Carvalho.
Em 2015, outra vez recorri a João Cândido para solicitar concessão de uma imagem para ilustrar o I Plano Decenal de Atendimento Socioeducativo do Distrito Federal – PDASE, do qual fui Coordenadora Executiva, e ele gentilmente o cedeu. Eu escolhi a obra Menino Pulando Carniça, e João Cândido revelou que via naquela obra “o desejo ardente do seu pai de um salto para um mundo no qual todas as crianças possam brincar e aprender.”
Parabéns, Candido Portinari, você é uma das mais importantes heranças do gênio da pintura!