Sueli Canato*
Caro amigo Pessoa,
Ando a recordar-me das nossas noites insones,
Eu no Brasil e tu por cá andavas a sondar-me,
Horas a alegrar-me,
Horas a mostrar-me o caminho do amar,
Mas sem ilusões,
Outras a consolar-me,
Umas tantas ao meu lado,
Muitas em meu colo,
Ou próximo aos seios,
Soluçava eu diante das dores da perfídia que me abatia,
Tu te rias, sabias que um dia nos encontraríamos,
Ah meu amigo poeta! o que seria de nós sem essas dores?
O que seria de nós sem os enganadores,
Traçoeiros, desleais e infiés amores,
Só tu, somente tu conhecias os caminhos que hoje faço,
Temos amigos em comum,
Mas com voos rasos, asas curtas,
Pernas covardes, mentes obtusas, não arriscam,
Não são bons alunos, leem, mas a ti não entendem,
Admiram-te, mas não comungam,
Fiz meu voo solo,
Agora somos vizinhos,
Somente tu sabias que iríamos respirar o mesmo ar,
Beber da mesma água,
Contemplar o mesmo céu,
Contar as mesmas estrelas cadentes,
Dizem os descrentes do amor que são meteóros,
Mas eu duvido, aliás discordo,
Não mais permito que me roubem os sonhos,
Quantas delas contamos juntinhos,
Elas já me anunciavam esse nosso encontro,
Tu meu amigo, juntou-se ao Tempo em minha defesa,
Agora salva, a tu agradeço.
*Poeta brasileira, residente em Portugal.