Pesquisadores já identificaram cerca de 20 ovos, e é possível que encontrem muito mais indícios da reprodução dos herbívoros gigantes conhecidos como titanossauros
REINALDO JOSE LOPES
O primeiro ninhal de dinossauros do Brasil, onde imensas fêmeas pescoçudas e quadrúpedes botavam seus ovos, tem 80 milhões de anos de idade e fica na zona rural de Uberaba (MG), numa mina de calcário desativada.
Pesquisadores já identificaram cerca de 20 ovos, e é possível que encontrem muito mais indícios da reprodução dos herbívoros gigantes conhecidos como titanossauros. Detalhes sobre o achado acabam de ser publicados no periódico especializado Scientific Reports. Assinam o estudo os paleontólogos Luiz Carlos Borges Ribeiro e Thiago Marinho, da UFTM (Universidade Federal do Triângulo Mineiro), e seus colegas argentinos Lucas Fiorelli e Agustín Martinelli, do Centro Regional de Pesquisas Científicas de La Rioja e do Museu Argentino de Ciências Naturais, além de outros cientistas do Brasil e do país vizinho.
“Quem sabe a gente não terá por aqui algo equivalente ao Auca Mahuevo?”, disse Borges Ribeiro à Folha sobre a descoberta. O nome pode não ser famoso no Brasil, mas costuma fazer os olhos dos paleontólogos brilharem.
A localidade assim batizada na Patagônia argentina abriga centenas de milhares de ovos de titanossauros, os dinos que eram o mais importante componente da fauna de herbívoros da América do Sul durante o período Cretáceo (o último antes da extinção do grupo). Alguns dos ovos de Auca Mahuevo foram tão maravilhosamente preservados que é possível estudar em detalhes a anatomia dos embriões.
A equipe que trabalha em Uberaba não teve essa sorte toda, pelo menos por enquanto. Os ovos estudados por eles, alguns dos quais ainda juntos no que parece ter sido a ninhada original, foram submetidos a exames de tomografia computadorizada, e isso não revelou a presença de filhotes de 80 milhões de anos dentro deles.
Mas ainda assim é possível extrair grande riqueza de informações das estruturas, cujo formato é quase perfeitamente esférico, medindo 12 cm de diâmetro e chegando a 900 cm3 de volume (quase 1 litro, portanto).
Além disso, uma grande quantidade de esqueletos fossilizados do grupo já foi encontrada nos arredores de Uberaba e outras áreas do território mineiro, confirmando que diversas espécies devem ter frequentado o local durante os últimos milhões de anos do Cretáceo. Embora os filhotes nascessem medindo apenas algumas dezenas de centímetros, os titanossauros podiam ultrapassar os 20 m de comprimento (do focinho à ponta da cauda).
A distribuição dos ovos analisados por enquanto indica pelo menos dois episódios de postura, separados entre si por um tempo considerável. Além disso, a ninhada maior e mais bem preservada está estruturada de forma a sugerir que as fêmeas depositavam os ovos em mais de uma camada, cavando buracos que pareciam cuias e recobrindo tudo com terra depois.
Também é possível identificar o sistema de poros que está distribuído pela casca dos ovos, cujo formato difere consideravelmente do que pode ser visto em outros ovos de titanossauros. Os poros têm papel-chave nas trocas de gases (em especial o oxigênio) entre o ambiente externo e os embriões, e é possível que as estruturas tenham se desenvolvido de forma específica em resposta ao ambiente semiárido que então predominava na região que um dia seria o interior de Minas Gerais.
O descobridor do ninhal foi João Ismael da Silva, servidor da Fundação Cultural da Prefeitura Municipal de Uberaba e que atua como técnico em paleontologia na Universidade Federal do Triângulo Mineiro. “Nos anos de 1990 chegou ao meu conhecimento a ocorrência de ovos de dinossauros em Ponte Alta. Em conversa com amigos meus que trabalhavam na mineração de calcário, pude recuperar alguns ovos isolados e, por fim, uma associação de dez ovos esféricos”, conta Silva. (FolhaPress)