
Miguel Lucena
Aqui, traficante cheira, e não é só o pó — é o poder que lhe sopra no cangote e lhe garante farda e foro. A prostituta suspira, não pelo prazer do toque, mas pelo depósito em caixa dois, que faz tremer mais que qualquer gemido.
E o patriota, coberto com bandeira estrangeira, marcha de peito inflado pedindo que o invasor venha salvar o que ele mesmo ajudou a destruir. Grita por liberdade com a boca cheia de grilhões ideológicos, confundindo soberania com submissão.
É um Brasil de ponta-cabeça, onde o absurdo ganhou cidadania e se elege com votos e fake news. Onde o moralismo é de ocasião, a decência é postada em horário eleitoral e o delírio veste verde-amarelo com etiqueta Made in USA.
Nessa terra de mitos de barro e verdades enterradas, resta ao povo dançar o samba desafinado da tragédia, enquanto o circo pega fogo e o palhaço vira ministro. E, no picadeiro da nação, cada gargalhada é um grito abafado de quem já não sabe se ri ou chora.