Bolsonaro disse, em evento, que não vai privatizar a Ceagesp. Em nota, o governo de SP relembra que decisão de vender a estatal foi tomada pelo próprio presidente no ano passado. A Ceagesp é o maior entreposto de alimentos da América Latina e pertence ao governo federal desde 1997.
Após declaração do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de que não vai privatizar a Ceagesp, a gestão do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou nesta terça-feira (15) que foi o presidente que incluiu o entreposto no pacote nacional de desestatização.
Em referência a projeto do governo estadual que tenta transferir a administração da Ceagesp para empresas privadas, Bolsonaro disse que “nenhum rato vai sucatear [o entreposto] pra privatizar pros seus amigos”. Para Doria, Bolsonaro está se referindo a si mesmo.
“Bolsonaro deve estar se referindo a si mesmo e ao seu próprio governo. O presidente assinou no ano passado o decreto 10.045, que inclui a Ceagesp no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do Governo Federal, conforme o site da União: https://www.ppi.gov.br/desestatizacao-da-ceagesp. O presidente precisa indicar aos órgãos de controle quem é esse “rato” que está no Governo Federal e se beneficiaria da medida. Se não fizer isso, estará prevaricando”, diz nota do governo de São Paulo.
A Ceagesp, na Vila Leopoldina, Zona Oeste de São Paulo, é a maior central de abastecimento de frutas e verduras da América Latina . Em 1997, foi federalizada e vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e, em 2019, ao Ministério da Economia. O governo estadual quer que o entreposto seja administrado por empresas privadas em outro endereço na Grande São Paulo.
O entreposto ocupa uma área de 60 mil metros quadrados na Vila Leopoldina, uma região que teve alta valorização imobiliária nos últimos anos. A região também sofre com alagamentos e é alvo de reclamações de moradores de prédios, que se incomodam com o intenso trânsito de caminhões na área.
Em 2019, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o então secretário especial de Desestatização do governo Bolsonaro, Salim Mattar, assinaram um acordo para fechar a Ceagesp e transferir o entreposto para outro endereço, que seria construído e administrado por empresas privadas em um terreno às margens do Rodoanel Mário Covas.
A promessa de Doria é entregar a nova sede da Ceagesp até 2024. O governo do estado de São Paulo diz que mantinha as tratativas para viabilizar o novo projeto de mudança da Ceagesp, alinhadas com o governo federal.
Durante a inauguração da torre do relógio do entreposto nesta terça, Bolsonaro, sem máscara e com uma criança fardada no colo, disse que está “desratizando o Brasil” e não vai deixar que a Ceagesp seja privatizada. “Aqui era um ninho de rato. Aqui tem que começar com trabalho de polícia. Porque tem muito bandido aqui dentro”, disse.
“A Ceagesp aqui uma mudança, é um novo paradigma e aqui, quando se fala em privatização eu quero deixar bem claro. Enquanto eu for o presidente da República essa é a casa de vocês. Nenhum rato vai sucatear isso aqui pra privatizar pros seus amigos, não tem espaço pra isso aqui. Deixo bem claro”, completou.
Histórico
Criada em 1969, a Ceagesp completou 50 anos de funcionamento no ano passado. Ela é uma empresa pública federal, sob a forma de sociedade anônima. Mas nem sempre foi assim.
Nascida da fusão entre o Centro Estadual de Abastecimento (Ceasa) e a Companhia de Armazéns Gerais do Estado de São Paulo (Cagesp), a Ceagesp foi do governo estadual de São Paulo até 1996. Naquele ano, devido uma dívida de R$ 180 milhões com o Banespa, o governo estadual anunciou que leiloaria a central na Bolsa de Valores. No entanto, não apareceu nenhum comprador.
A Ceagesp passou a ser federal em 1997, quando o patrimônio da empresa entrou como pagamento da dívida que o estado de São Paulo tinha com a União. No mesmo ano, o governo federal incluiu a empresa no Programa Nacional de Desestatização, com o objetivo de privatiza-la, mas isso nunca aconteceu.
Apesar da promessa anterior de transferir a posse da Ceagesp ao governo do estado, o governo de Bolsonaro não cumpriu a promessa e incluiu o entreposto no programa nacional de desestatização do governo federal e no programa de parcerias de investimentos da Presidência da República.
Aglomeração
Centenas de pessoas vestidas de verde, azul e amarelo se aglomeraram – muitas delas sem máscara – para participar da inauguração da torre do relógio da Ceagesp. Construído em 1964, o relógio foi reformado por permissionários e pintado de verde e amarelo.
Na semana passada, o presidente da Ceagesp, coronel da reserva da PM de São Paulo Ricardo Mello Araújo, enviou um convite a permissionários, funcionários, políticos e autoridades paulistas para que usassem as cores da bandeira brasileira durante a visita do presidente ao entreposto nesta terça, o que foi atendido por parte do público.
“Neste dia, use camisa ou camiseta com as cores da Bandeira Nacional: verde, amarelo, azul ou branco”, diz a mensagem de Araújo. Em nota, a Ceagesp afirmou na ocasião que a intenção do convite era de “representação da força” da entidade.
Do lado de fora da Ceagesp, um grupo de manifestantes contrários a Bolsonaro pediam “vacina já”. Um dos manifestante que estava na entrada do entreposto passou pelos apoiadores do presidente gritando “gado” e foi hostilizado. Ele foi retirado por policiais.
Presidente da Ceagesp
Ex-comandante das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) da PM, Ricardo Mello Araújo, de 49 anos, foi nomeado por Bolsonaro para o cargo na Ceagesp em outubro. A nomeação ocorreu em meio a discussões sobre a transferência do entreposto para outro endereço.
Nas redes sociais, Bolsonaro pediu, na época, apoio dos caminhoneiros e permissionários ao novo chefe do entreposto.
O coronel se aposentou em 2019. Em um vídeo dirigido aos funcionários da companhia, Mello Araújo lembrou sua trajetória na Polícia Militar e falou que vai “combater o crime” também na Ceagesp.
“Vamos combater fortemente a corrupção. Não aceito e não sou omisso. Como falei: eu vou atrás. A Ceagesp vai vencer. Vai dar lucro. Vai estar à altura que merece, que os antepassados construíram ao longo dos anos”, afirmou quando foi empossado. (G1 SP)