A crise institucional nasceu com as ameaças de Bolsonaro contra a realização das eleições de 2022, caso o voto impresso não fosse implementado
O presidente Jair Bolsonaro chega a este Sete de Setembro com um repertório de discursos golpistas acumulado nas últimas semanas e a expectativa de reunir multidões na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e na avenida Paulista, em São Paulo, onde pretende discursar a seus apoiadores.
Além do tamanho do público, as expectativas se concentram no teor do discurso do presidente, que anunciou o levante do 7 de Setembro como algo histórico e dissimulou as pretensões de ruptura da ordem institucional e democrática que estão na raiz da mobilização, com pautas autoritárias e de raiz golpista.
Em São Paulo, um esquema de segurança nas regiões da Paulista e do Vale do Anhangabaú (onde haverá manifestação da esquerda) prevê a utilização de 3.600 PMs. Haverá revista pessoal e de mochilas e não poderão ser usados armas brancas e de fogo, bastões, fogos de artifício, sinalizadores e drones. A Paulista ficará interditada para carros das 11h às 18h para os protestos bolsonaristas, mas os atos devem se concentrar no período da tarde.
Também há previsão de revista de manifestantes em Brasília, para coibir armas brancas ou de fogo, e o trânsito na Esplanada dos Ministérios será fechado. Os atos na capital federal estão previstos para as 11h.
A crise institucional que leva aos atos desta terça-feira (7) nasceu com as ameaças de Bolsonaro contra a realização das eleições de 2022, caso o voto impresso não fosse implementado, o que já foi descartado pelo Congresso.
Só nos últimos dias, para chamar apoiadores aos atos, Bolsonaro falou em emparedar ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e jogar fora das quatro linhas da Constituição para eventual ruptura institucional. O objetivo é intimidar tanto o STF como o Congresso com seus desejos golpistas.
Como o próprio Bolsonaro já disse, ele busca nesses protestos uma foto ao lado de milhares de apoiadores para ganhar fôlego em meio a uma crise institucional provocada pelo próprio, além das crises sanitária, econômica e social no país. O objetivo de reunir multidões é embasar a retórica de amplo apoio popular.
Os eventos bolsonaristas ocorrem em meio a uma série de reveses para o governo, com reações de outros Poderes às ameaças autoritárias disparadas pelo Executivo, desembarque de setores do empresariado e do mercado, estagnação de pautas no Congresso e horizonte econômico negativo.
Bolsonaro aparece distante do ex-presidente Lula em diferentes pesquisas de opinião sobre as eleições de 2022. Pesquisa Datafolha de julho mostrou recorde na reprovação do presidente, rejeitado por 51% dos brasileiros.
Ao mesmo tempo em que perde capital político com a crise entre os Poderes, intensificada por seus ataques ao Judiciário, a alta da inflação e a crise energética se colocam como novos obstáculos para o projeto de sua reeleição no ano que vem.
Reportagem da Folha deste domingo mostrou que ministros do STF e dirigentes de partidos do centrão condicionam o futuro das relações do governo com os demais Poderes à postura que Bolsonaro adotará no 7 de Setembro e nos dias posteriores aos protestos.
De um lado, integrantes da corte enviaram recados ao mandatário e aos presidentes da Câmara e do Senado de que o avanço das negociações em busca de uma saída para o rombo dos precatórios, o que viabilizaria a reformulação do Bolsa Família, só deve ocorrer se o chefe do Executivo cessar os ataques ao tribunal.
De outro, líderes de siglas do centrão que hoje dão sustentação a Bolsonaro no Legislativo passaram a ver o desembarque do governo no ano que vem quase como inevitável se não houvesse uma mudança de comportamento do presidente.
BOLSONARO E O GOLPISMO
Não é de hoje que o presidente flerta com o golpismo ou faz declarações contrárias à democracia. Como governante, ele mantém este tipo de discurso.
“Alguns acham que eu posso fazer tudo. Se tudo tivesse que depender de mim, não seria este o regime que nós estaríamos vivendo. E apesar de tudo eu represento a democracia no Brasil”, afirmou em uma formatura de cadetes em fevereiro deste ano.
Em 2020, Bolsonaro participou de manifestações que defendiam a intervenção militar. No passado, em uma entrevista em 1999 quando ainda era deputado, Bolsonaro disse expressamente que, se fosse presidente, fecharia o Congresso.
Hoje, por um lado, há incerteza quanto a se Bolsonaro teria ou não apoio suficiente para ser bem-sucedido em eventual tentativa de se manter no poder ao arrepio da lei.
Por outro lado, torna-se cada vez mais próxima da unanimidade a avaliação de que é preciso levar a sério o risco de que, em um cenário desfavorável, ele saia da retórica e chegue às vias de fato.
O presidente usa e abusa de retórica golpista como forma de manter o fantasma vivo, e se apresenta como um corpo único com os militares. A realidade é bem mais complexa.
Não há pilares para um golpe clássico, como alinhamento entre as três Forças e parte significativa da sociedade civil, seja para tirar Bolsonaro, seja para transformá-lo num ditador. Há uma compreensão clara de que isso não seria digerido pelas elites, pela população e no exterior.
Bolsonaro claramente sonha com isso, e um roteiro de ruptura foi desenhado por seu ídolo Donald Trump, que viu hordas de apoiadores invadirem o Congresso para tentar impedir a validação da eleição de Joe Biden em 6 de janeiro.
Toda a defesa de que eleição sem voto impresso é fraude busca criar um arcabouço para, na visão dos mais pessimistas, forçar uma situação de conflito nas ruas caso Bolsonaro derreta de vez e seja derrotado nas urnas em 2022.
Isso levaria a impasses, como a decretação de uso de força federal ou mesmo estado de defesa em alguns locais. Há dúvidas se Bolsonaro iria atender a pedidos de ajuda de governadores opositores, por exemplo, o que levaria a crise para o Judiciário.
Comandantes são unânimes em dizer, durante conversas reservadas, que não há espaço para golpismos, mas o fato é que não houve nenhum teste de realidade sobre isso para atestar tal comprometimento. (JBr)