Apesar de nos aproximarmos da triste marca de três milhões de óbitos, o mundo não parou diante da pandemia da COVID 19. No ano pretérito, a cidade de Tókio sediaria a 32ª olimpíada da era moderna, entretanto, em razão da pandemia e devido a reações de atletas, de países competidores e da própria comunidade japonesa, a data foi prorrogada para julho do ano corrente. O Japão vem driblando adversidades e após a fixação da data do evento, na última sexta-feira, o presidente do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de Tóquio – Yoshiro Mori – chafurdou após sua imprudente fala misógina e sexista.
Yoshiro foi primeiro ministro japonês entre 2000 e 2001 e apesar de já ter liderado uma grande potência, suas atuais declarações discriminatórias denotam a não percepção da magnitude do cargo que ocupava e o verdadeiro sentido dos jogos. Em suma, o representante vociferou que mulheres falam demais, são competitivas e irritantes, e que no comitê organizador, todas sabem o seu lugar. Talvez se fosse prudente em seu colóquio, poderia rememorar o expoente que o esporte alcançou diante dos conflitos raciais que subsidiaram o movimento black lives matter.
No ano passado, os Estados Unidos tornaram-se um campo de batalha após o episódio de violência policial envolvendo o negro, George Floyd – o qual agonizou até o óbito. Contraponto ao evento, negros e brancos foram às ruas clamar por justiça e igualdade. Em consonância, atletas de alto nível, também conhecidos como de rendimento ou elite, de todas as raças e modalidades, deram um tom especial às manifestações posicionando-se em desfavor das desigualdades, do racismo e paralisando suas atividades.
Uma palavra vincula as declarações do Presidente do Comitê Olímpico e o movimento Vidas Negras Importam – o preconceito. Sim, primeiro quanto às mulheres, as quais vem galgando na sociedade japonesa, de forma letárgica, o caminho à igualdade. O segundo se refere à intolerância racial, a qual persiste de forma latente na ordem mundial vigente, subjugando afrodescendentes a uma condição subalterna, vil e desumana. Em recente pesquisa, o Japão caiu para o 121º lugar no ranking de Igualdade de Gênero do Fórum Econômico Mundial, dentre 153 países, defasagem explicada pelas diferenças gritantes entre homens e mulheres dentro dos setores econômico e da saúde.
Mori provou do próprio veneno, ou melhor, morreu pela boca. O “cartola” não foi capaz de conceber o que estava representando: o esporte como expressão do ser, dogma do movimento humano, fonte de agregação entre os povos, sedimentado na mais sublime de sua manifestação, a olímpiada. Os jogos já foram usados e identificados como uma forma de manipulação, alienação, boicote de grandes potências e cancelados por guerras, mas com os novos posicionamentos da sua matéria prima – os atletas – passam a assumir um relevante papel de protagonismo das minorias. Manifestações de competidores, governantes e da comunidade internacional compulsaram a aposentadoria do hostil dirigente. Ippon nele.
Os Jogos Olímpicos não deveriam acontecer, mas vão. Uma olimpíada não se perfaz só de medalhas, resultados e heróis, mas também de muito dinheiro, marketing e lucro. O esporte não deve se calar diante, não só do preconceito, seja ele: racial, de gênero, origem ou condição especial, mas de todas as mazelas que desequilibram a sociedade. Apesar de uma geração de atletas se considerar preterida com o adiamento do sonho olímpico, o mundo esportivo deveria se curvar diante de milhões de vidas perdidas e se pronunciar pela interrupção do evento, até que o SARS COV 2 seja debelado e voltarmos a viver em harmonia. Seria prematuro tirar lições do pós-pandemia, pois ainda não a rechaçamos, mas é fato que a nova roupagem do esporte de alto nível: de liderança, combativo, questionador, propiciará a sedimentação e a formação de uma nova geração de ídolos que driblam, arremessam, dirijam e golpeiam com a mesma tenacidade que os possibilitem inventariam e transmitir valores. Então, que Miraitowa, mascote dos jogos, entrem em nossos lares de máscara, mãos lavadas e despida de preconceitos.
Via: Conteúdo Jurídico*
RICARDO NOGUEIRA VIANA, o autor
Delegado de Polícia. Pós graduado em direito penal e processual. Bacharel em Educação Física UNB e Direito UniCEUB. Autalmente Delegado Chefe 3ª DP/PCDF. Professor de TIP/DPP – ESPC/DF. Professor de Judô.