Arquivo pessoal
Zé Euflávio
Devo, pra início de conversa, lhes confessar que ando mexendo nos meus arquivos e tenho encontrado muita coisa antiga. Acabei descobrindo o que já desconfiava. E vejam a razão da minha descoberta. É coisa besta, trivial e sem nenhum futuro para os tempos atuais.
Jornalistas se adoram. Principalmente, gostam de conversar ao final de cada expediente sobre o que produziram durante o dia, num massageamento de ego de dar inveja ao mais radical dos narcisistas.
Mas, essas atitudes já se incorporaram à profissão de quem escreve para deleite dos outros. O sujeito sente-se assim como se o mundo girasse em torno do seu umbigo. Fazer o que?
Uma conhecida amiga minha, que é repórter enfadada com a profissão que escolheu, me disse, com a boca cheia, que “todo jornalista é brega, cafona e cheio de mau gosto”. Às vezes, em minhas santas e adotadas horas de folga – que deveriam ser mais e constantes -, passando a vista pelas redações dos jornais de antigamente, sou quase obrigado a concordar com minha amiga, tamanha a quantidade de asneiras que se diz por aí.
(O jornalista e mestre Rubens Nóbrega que foi editor, professor e sabe tudo de cozinha de jornal, conhece essa história melhor do que eu).
Outro repórter, também amigo meu, admitiu um dia desses, que “as formas e fórmulas de se escrever uma reportagem estão esgotadas, que só nos resta repetir exaustivamente velhos textos e cacoetes esfarrapados”. Sua tese convocaria um daqueles congressos da Fenaj.
Parece mais ou menos certo o que ele disse. Quem lê os cadernos diários dos jornais locais e nacionais, pode ver com um olhar agudo e com uma certa dose de sarcasmo e paciência, que os clichês são repetidos ao ponto de provocar certa náusea.
Nem me refiro ao desgastado “a nível de”, porque desde o dia em que li, num título de página, a notícia “Coliformes fecais a nível de água”, fiquei fora de mim e quase corro para me afogar no mar. Mas, me lembrei que não nasci para morrer de forma tão ridícula.
Nunca pensei que um simples cocô boiando no Mar de Tambaú pudesse ser tratado de maneira tão pobremente pernóstica, tão feiamente deselegante.
Sim, porque a língua existe – e o bom Jornalismo recomenda, impõe, até – que até um cocô deve ser tratado de forma digna, como qualquer outra palavra.
Mas, há coisas que me fazem fechar o jornal no ato. Quase todo jornalista de Cultura (e eu disse “quase todo”, por favor) para tirar dessa lista meu querido e dileto amigo Sílvio Osias, que é culto, inteligente, antenado e sabe o que faz com maestria), gosta de recorrer a ideias tão originais quanto o texto do Êxodo da Bíblia Sagrada.
Por exemplo, quando o repórter quer apresentar uma peça teatral, ele não pensa duas vezes (às vezes não pensa nem mesmo uma) e tasca: “O grupo resolveu apostar na criatividade e criou o espetáculo”. Eu juro pelos poderes de Nossa Senhora Sant’ana que li isso. Quando leio coisas assim, sinto arrepios que me percorrem o corpo.
Para Rubens Nóbrega, Nonato Guedes, Marcondes Brito, Agnaldo Almeida, Paulo Santos e Evandro da Nóbrega, que me abriram portas e me mostraram caminhos.