Frutuoso Chaves*
Vá lá… Aceito o fato de que sempre me incomodou a incapacidade de diferenciar a coral falsa da verdadeira. Aliás, a questão diz respeito à regra e sua exceção: a falsa é que é a boa.
Houve o tempo em que pensei ter matado a charada: “Vermelha e amarela, cuidado com ela”, ensinava o dito popular no qual punha as vistas, satisfeitíssimo. Eu continuaria a fugir das duas por mera precaução, contudo não mais seria tomado pela dúvida. A junção dos anéis vermelho e preto me livraria do medo em estado mais profundo.
E assim foi até leitura mais séria me ensinar que isso é mito. Isso que li e o que me contava, depois, o filho mais velho, biólogo com alguma especialização em herpetologia. Me ocorre, agora: para que diabo alguém estuda um troço desses? Para agravar os temores de um pai?
Deixemos as cobras para lá, porquanto me assalta outra dúvida até mais inquietante. Será que o corona vírus vai me levar desta para melhor sem que eu tenha tido tempo para aprender a diferença visual entre mandioca e macaxeira?
Uma pode ir à mesa com manteiga de garrafa, carne de sol e vinagrete a fim de me proporcionar um raro instante de felicidade. A outra só quando transformada em farinha para as farofas e os pirões nossos de certos dias. Mal cozida, tem ácido cianídrico suficiente para matar um boi. Quem não sabe disso?
Todo mundo sabe. Eu quero ver é saber escolher uma e outra para seu devido uso, ali, na roça, puxando a planta pelo talo e a ela dando o destino da panela, ou da casa de farinha.
Ah, as casas de farinha… Tive a oportunidade de ver de perto os preparos dessa iguaria nacional quando visitava, pela primeira vez, recém-casado, a fazenda dos sogros e cunhados. Montes de mandioca prontas, noite alta, para o descasque, o esmagamento, a prensagem e a torragem.
Bandos de homens e mulheres barulhentos. Foi não foi, a conversa picante de um macho mais enxerido na eventual ausência da dona da casa, de suas filhas ou noras: “Essa moreninha sabe descascar bem uma mandioca”. E a reação descontraída, risonha: “Vôte… Ô, dona Neuza, venha ouvir essa história”. Resultado: fornalha quente, macho morno.
Eu nunca me supus no campo, sol a pino, às voltas com o plantio e a colheita de mandioca, macaxeira, ou qualquer outro vegetal que a Terra nos disponha. Porém, nunca deixei de me incomodar com a absoluta semelhança física entre essas gêmeas de almas tão diferentes. Uma delas mansa, oferecida aos prazeres alheios. A outra dissimulada e letal, se não tratada a ferro e fogo.
A verdade é que devoro um desses pratos prediletos sabendo que minha sorte depende da decência de quem planta e de quem vende macaxeira. Confiar, assim, cegamente, na natureza humana, sem dúvida, é algo que hoje muito me incomoda.
Mas dou, neste momento, o devido desconto: aquele atinente à ocasião, a essa pandemia. O corona é fogo. É bicho que nos impõe o medo, a reclusão e, também, no meu caso, me faz agora pensar em macaxeira quando tenho para o almoço outra coisa no fogão.