“Quem não for para um bar, vai acabar se aglomerando em ambientes ‘invisíveis’, em espaços privados e, aí, não há nada que o governo possa fazer”. (Dep. Júlia Lucy)
Por Redação*
Em audiência pública remota realizada nesta segunda-feira (14), proprietários de bares e restaurantes, músicos e representantes da Saúde e da Vigilância Sanitária do Distrito Federal, discutirem o decreto do governador que restringiu o funcionamento desses estabelecimentos até as 23h. Após mais de duas horas de discussão, sob a coordenação da deputada Júlia Lucy (Novo), construiu-se uma proposta a ser negociada com o governo: nos últimos 15 dias do ano, bares e similares poderiam funcionar até 1h da manhã, estando sujeitos a ampla fiscalização, inclusive com a participação da Polícia Militar no período. Saúde e Vigilância Sanitária, contudo, se posicionaram com reservas.
“Ao analisarmos o resultado de uma política pública, precisamos entender se ela atingiu, de fato, o alvo, ou se foi desproporcional. É a velha história: matar o cavalo para tirar o carrapato”, ponderou a parlamentar. Para Lucy, as decisões políticas têm de ser feitas com diálogo: “Não dá para pegar apenas um ponto de vista. Todos têm de ser ouvidos. Restringir o funcionamento em uma ou duas horas, do ponto de vista sanitário, não tem embasamento”.
A parlamentar ainda lembrou que o final de ano é um período de confraternização. “Este é um momento crucial para o setor, para recuperar ganhos. Quem não for para um bar, vai acabar se aglomerando em ambientes ‘invisíveis’, em espaços privados e, aí, não há nada que o governo possa fazer. Além disso, vamos quebrar mais estabelecimentos e músicos, e fingir que nada acontece”, argumentou.
A distrital defendeu a extensão dos horários de funcionamento com bastante organização, sempre de olho nos protocolos recomendados: “Muitos estabelecimentos não estão respeitando, por isso precisamos ampliar a capacidade de fiscalização, para não penalizar quem está trabalhando direito”.
Empresário do setor, Rodrigo Freire destacou que o problema é o descumprimento das regras por alguns bares e restaurantes. “O setor sofreu demais com essa pandemia, está um verdadeiro desespero”, lamentou. Ele cobrou mais transparência por parte do GDF, ante de publicar um decreto como o que reduziu o horário para o fechamento das portas, e reforçou que “a maior fonte de renda dos músicos é tocar nesses estabelecimentos”. E completou: “O que está proliferando o vírus são os ônibus lotados, as feiras e outros”.
O presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de Brasília (Abrasel-DF), Beto Pinheiro, foi na mesma linha. Com o intuito de aumentar o “braço” fiscalizatório, para lidar com a flexibilização dos horários até 1h da manhã, ele disse não ver outra opção além da inclusão da PM na tarefa. “A abordagem da PM talvez não seja a melhor, até porque não é uma atividade rotineira. Mas acredito que possam fazer de forma adequada, enquanto o decreto do horário estiver vigente”. O empresário reforçou, também, que a fiscalização deve alcançar os ambulantes irregulares que comercializam bebidas e comidas e que geram aglomeração.
Conscientização da população e dos donos de comércio esteve marcada na fala do músico Engels Espíritos: “É preciso uma maior conscientização por parte de todos os estabelecimentos, para respeitarem os protocolos, e mais campanha para explicar a propagação do vírus e os cuidados”. Sobre a medida de fechar às 23h, o gaitista avaliou como uma “decisão de um governo desesperado, que não sabe exatamente o que fazer, para dar algum tipo de solução”.
Voz dissonante, o representante da Vigilância Sanitária, André Godoy, diz ser contra a extensão do horário de funcionamento: “A medida tem diminuído a aglomeração. Coaduno com a fala de vocês, mas lamento”. O sanitarista ressaltou haver muitos locais fechados, com ar-condicionado, o que aumenta as chances de contaminação. Ele criticou, inclusive, a corriqueira forma de auferir a temperatura corporal pelo braço. “A instituição Vigilância Sanitária prefere manter até as 23h, pelo que percebemos, melhorou a questão da aglomeração. Sou servidor público e represento a instituição. Tenho dúvidas se não devia ser mais restrito”, concluiu.
Por sua vez, a médica Arilene Luís, da Secretaria de Saúde, ponderou os riscos e destacou ser necessário avaliar as taxas de ocupação hospitalar e o número de óbitos, antes de opinar sobre a proposta em discussão. “Temos taxas de reinfecção porque surgem cepas diferentes. Não alcançamos uma taxa de ocupação regular, na semana passada, teve dia em que registramos ocupação de 71%. Claro, seremos apenas área consultiva”, afirmou.
Já a cantora Dhi Ribeiro disse entender os argumentos do representante da Vigilância Sanitária, mas acrescentou que “a cadeia produtiva está num buraco sem fundo”. Em sua opinião, o cerne do debate é esse: “Como vamos fazer pra trabalhar? Sou a favor da saúde em si, e precisamos que os protocolos sejam atendidos. Mas somos a favor da ampliação do horário, acho que quando se reduz, se aumenta a corrida de pessoas para fazer aquilo naquele horário, e isso acaba estimulando a saída para o gramado, para o posto, e isso também gera aglomeração. Todo mundo sabe que ninguém aguenta mais ficar em casa”.
A artista insistiu que os clientes, músicos e proprietários precisam intensificar os cuidados. Além disso, ela ponderou: “Com a extensão do horário, acho que pode ter mais rotatividade”. Consagrada, Dhi Ribeiro ainda destacou estar fazendo apenas eventos não-presenciais, mas se solidarizou com os colegas que não conseguem: “Os músicos precisam trabalhar”.
*Agenda Capital/Com informações da CLDF