Na Câmara, os deputados do partidos passaram a votar ainda mais alinhados com o governo do que antes do anúncio de romper com Planalto
Há pouco mais de um mês, no dia 8 de setembro, o comando do PSDB anunciou que o partido faria oposição ao governo de Jair Bolsonaro. Mas, na Câmara, a decisão foi ignorada: os deputados do partidos passaram a votar ainda mais alinhados com o governo do que antes do anúncio. As orientações do líder da bancada, Rodrigo de Castro (MG), também passaram a coincidir mais com a orientação do Palácio do Planalto do que antes da decisão tomada pelo presidente do PSDB, Bruno Araújo.
A ida do PSDB à oposição foi decidida em uma reunião da Executiva Nacional da sigla, no dia 8 de setembro. Foi uma resposta às declarações de Bolsonaro no dia anterior, durante os protestos de 7 de Setembro. Diante de multidões de apoiadores na Avenida Paulista, em São Paulo, e na Esplanada, em Brasília, o presidente da República insultou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e disse que não mais cumpriria decisões dele. No dia seguinte, o PSDB lançou nota repudiando “as atitudes antidemocráticas e irresponsáveis adotadas pelo presidente”.
No mês anterior ao dia 8 de setembro, quando o PSDB se identificava como “independente”, a Câmara realizou 70 votações nominais nas quais o líder do governo, Ricardo Barros (Progressistas-PR), fez uma orientação de “sim” ou “não” – a favor ou contra o projeto em pauta. Nessas votações, o líder do PSDB, Rodrigo de Castro (MG), indicou que sua bancada votasse da mesma forma que Barros em 53 vezes, ou 75,7% do total. No mês seguinte à ida do partido para a oposição, as sugestões de Castro coincidiram com as do governo em 34 vezes — ou 87% das ocasiões.
Na maioria das vezes, os parlamentares não são obrigados a seguir a orientação do líder, mas as indicações de Castro resultaram num aumento do “governismo” dos deputados do PSDB. Ou seja: na média, os 32 representantes do partido passaram a votar ainda mais com o governo depois que a sigla passou à oposição. No mês anterior à reunião da Executiva do PSDB, os deputados tucanos deram 1.828 votos em ocasiões nas quais houve orientação do governo. Desses votos, 1.332 foram conforme orientou Barros, resultando numa taxa de “governismo” de 78,2%. Do dia 8 de setembro até a semana passada, o “governismo” da bancada tucana subiu ainda mais e chegou a 88,3%.
Entre os congressistas do PSDB há reclamações sobre a forma como Bruno Araújo encaminhou a ida do partido para a oposição — a decisão da Executiva Nacional foi tomada sem consultar a bancada. Os deputados só foram chamados a discutir o assunto dias depois, quando a ida para a oposição já tinha sido decidida e anunciada na imprensa.
Um exemplo do descontentamento foi a declaração do deputado tucano Pedro Cunha Lima (PB). Dias depois do anúncio da Executiva do partido, Cunha Lima disse discordar da decisão e anunciou que não faria “oposição sistemática” a Bolsonaro. “Claro que o governo merece críticas em vários pontos. A condução na pandemia merece uma crítica e a gestão que o governo faz na educação não é eficiente. De resto, não vou fazer oposição de quanto pior, melhor”, disse o deputado em entrevista a uma rádio da Paraíba. Pedro Cunha Lima é o atual presidente do Instituto Teotônio Vilela (ITV), o “think-tank” tucano.
Mesmo assim, nem todos os deputados do partido estão contentes com o “governismo” do PSDB durante as votações. Danilo Forte (CE) conta que, até hoje, o nome do partido segue por padrão a orientação do líder do governo no painel eletrônico da Câmara — como se a sigla fosse da base aliada do governo. “Uma coisa que me irrita no plenário é que, quando aparece a orientação do líder do governo, o PSDB já vem a reboque”, disse ele. “Como é que pode um partido que quer ter candidato à presidência da República ter uma bancada que se comporta desse jeito? Não pode haver essa subserviência (ao governo)”, afirmou o tucano.
Forte defende a posição do partido de votar a favor das pautas econômicas do governo, em temas como privatizações e reformas. “Agora, do ponto de vista da política, do comportamento, o PSDB tem uma pauta contrária (ao governo). No que diz respeito ao voto impresso, a comportamentos mais radicalizados (do presidente da República)”, diz. Forte também diz que o regime remoto de votações tem prejudicado a discussão dentro da bancada e aumentado o poder dos líderes. “O parlamento sem plenário é como um corpo sem alma”, disse ele.
O alinhamento da bancada tucana ao governo foi evidenciado na disputa pela presidência da Casa, no início do ano. Embora inicialmente a sigla tenha entrado na aliança para eleger o deputado Baleia Rossi (MBD-SP) para o cargo, na reta final da disputa a maior parte dos parlamentares se aliou a Arthur Lira (Progressistas-AL), candidato do Planalto, que foi eleito.
Ao menos metade da bancada tucana foi contemplada no ano passado com repasses de emendas de relator, base do chamado orçamento secreto. Pelo esquema, revelado em maio pelo Estadão, o governo destina bilhões em recursos do Orçamento para cidades indicadas pelos parlamentares muito além do que eles têm direito via emendas individuais e sem qualquer critério técnico ou de transparência. O mecanismo de “toma lá, da cá” foi criado pelo governo Bolsonaro para aumentar sua base de apoio no Congresso.
Para o líder do PSDB na Câmara, o deputado Rodrigo de Castro (MG), não há “subserviência” do PSDB ao governo: na verdade, é o Congresso que tem liderado as principais iniciativas desde o início da pandemia, e o governo apenas segue o entendimento da maioria. “O Congresso Nacional tem protagonismo em questões decisivas justamente por se tratar do foro onde são votados os projetos que depois serão seguidos pelo Governo. E ajudamos a aprovar matérias importantes para a sociedade, independente de quem esteja no governo, como o combate à pandemia e a concessão do auxílio emergencial, entre outras”, disse ele ao Estadão.
“Nas pautas econômicas continuamos votando de acordo com aquilo que coincide com nossa atuação histórica, desde a defesa dos mais vulneráveis até questões como privatizações e modernização da legislação (reformas trabalhista, previdenciária etc)”, disse, por mensagem de texto. “Assim, simplesmente mantemos a coerência com aquilo que historicamente defendemos e, nas questões ideológicas, não nos submetemos à pressão de quem quer que seja”, concluiu ele.
Apesar do que diz o líder tucano, o PSDB tem votado conforme a orientação do governo também em pautas “políticas”. Na proposta que previa a impressão dos votos, bandeira de Bolsonaro, a maioria dos votos da bancada foi pela aprovação da medida. Também há alinhamento em projetos que são de autoria do Executivo, e não do Congresso. No dia 15 de setembro, por exemplo, a Câmara analisou a medida provisória (MP) 1.052, de autoria do Executivo, e que muda as regras de funcionamento do Fundo Constitucional do Centro Oeste (FCO), do Norte (FNO) e do Nordeste (FNE). O PSDB votou conforme o governo nas 12 votações nominais daquele dia, inclusive nos destaques – os partidos de oposição ficaram contra o texto.
Mais recentemente, no dia 7 de outubro, o partido também orientou a favor de uma outra medida provisória do governo: a que cria o Programa de Estímulo ao Crédito (PEC), uma iniciativa destinada a aumentar o capital disponível para micro e pequenos empreendedores, com faturamento de até R$ 4,8 milhões.
No Senado, diferentemente da Câmara, o apoio é mais pontual. Com exceção do senador Roberto Rocha (MA), que atua alinhado ao Palácio do Planalto, os demais seis integrantes da bancada adotam postura “independente” ou claramente de oposição a Bolsonaro, como é o caso de Tasso Jereissati (CE).
Procurado desde a semana passada, Bruno Araújo não se manifestou sobre o levantamento do Estadão.
Aumento no governismo pode ser ‘rebelião’, diz analista
Para a cientista política Beatriz Rey, que é especializada em temas do Legislativo, o aumento do “governismo” na bancada tucana pode ser interpretado como uma revolta contra a decisão da Executiva.
“Eu interpreto esse aumento do governismo como uma forma de rebeldia dos deputados do PSDB, em relação à liderança partidária nacional, que tomou essa decisão de partir para a oposição sem consultar os deputados. Então, uma forma de olhar este dado é como uma forma de rebeldia mesmo, na arena legislativa”, diz a cientista política Beatriz Rey, que é especialista em política parlamentar.
“Esse tipo de rebeldia é algo que acontece bastante em parlamentos (em outros países) e é bastante estudado pela ciência política. Por exemplo: as facções partidárias aqui nos Estados Unidos, os chamados ‘caucus’, nascem dessa rebeldia de alguns deputados dentro do próprio partido”, diz ela, que é pesquisadora da universidade Johns Hopkins, em Baltimore, nos EUA.
“Uma outra coisa que isso mostra é a própria desorganização do PSDB. O partido está fraturado, com vários líderes distintos e sem uma voz unificadora. Então, num cenário desses, fica fácil para os deputados aumentarem o apoio aos projetos do governo (mesmo com o partido indo formalmente para a oposição). Fica mais fácil para cada um fazer o que quer”, disse Beatriz Rey.
Estadão Conteúdo/JBr