IPVA, ICMS, ITBI… Nas ruas do DF, população demonstra estar insatisfeita com reajustes em série
Parece que o salário do brasiliense vale cada vez menos. Com a fome de arrecadação do Governo de Brasília, é preciso fazer malabarismo para sobreviver com o que o leão não leva. IPVA, ICMS, ITBI e iluminação pública já tiveram reajuste, e a perspectiva não é nada boa: a intenção é que mais readequações aconteçam até o ano que vem. Nas ruas do Distrito Federal, a população afirma que a paciência acabou e cobra medidas do governador Rodrigo Rollemberg.
“Eu acredito que nosso ilustre governador é de uma incompetência fantástica. Já era como senador e continua como governador”, dispara o aposentado Pedro Saraiva, 64 anos. Ele lembra dos aumentos e compara: “O que acontece é uma lógica perversa. Imagine que esteja gerindo uma casa e o dinheiro está curto. É só arrumar alguém para botar dinheiro nela. É uma saída óbvia, mas quem sofre é o contribuinte”, reclama.
No País, o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) estima que são precisos 150 dias de trabalho ao ano apenas para pagar os impostos. No Setor Comercial Sul, o Impostômetro estampa mais de R$ 1 trilhão pago em tributos no ano pelos brasileiros. Para Saraiva, “a tendência é piorar, mas as circunstâncias passam e não é inteligente sofrer com o que acontece”.
Medidas pesam mais
De janeiro até agora, o governador Rodrigo Rollemberg anunciou dois pacotes de medidas econômicas com reajustes de taxas e impostos para ampliar a arrecadação, que somam 27 projetos. Na segunda-feira, o foco foi a Contribuição de Iluminação Pública (CIP), que incide na conta de luz e varia de acordo com o consumo. O reajuste previsto é de 32,5%. A conta, então, deve ficar ainda mais cara que o reajuste médio de 18,36% para consumidores residenciais, que começou a valer na semana passada.
O GDF também estendeu até 2019 a isenção de IPVA para veículos zero-quilômetro no ano da compra. No entanto, mais à frente, sairá mais caro. Nos três anos seguintes, o imposto aumenta 0,25% no caso de tratores, caminhões, ônibus e micro- ônibus ou 0,5% para carros de passeio e motos.
A mudança, diz o governo, adequa o aumento do IPVA, aprovado em fevereiro. No ano que vem, o imposto de veículos sobe de 3% para 3,5%, e de motos, de 2% para 2,5%. E o ICMS pago na gasolina passará de 25% para 28%, e no diesel, de 12% para 15%.
O Imposto Sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), pago no momento da transação, passa de 2% para 3% do valor venal, para venda de imóveis acima de R$ 250 mil. O mesmo projeto prevê a redução da alíquota de ICMS sobre o etanol, de 25% para 19%.
A todo custo
Desde o início do ano, o GDF precisou rever propostas de aumento da arrecadação pública diante da provável dificuldade em aprová-las na Câmara Legislativa. As intenções de aumentar o IPTU e a Taxa de Limpeza Urbana (TLP) e extinguir a isenção do IPVA para carros zero-quilômetro no ano da compra foram retiradas. Mas devem retornar à discussão. Na última sexta-feira, o Chefe da Casa Civil, Sérgio Sampaio, afirmou que o aumento do imposto de imóveis é imprescindível.
O governo não fala em derrotas. “Todos os projetos colocados em pauta pelo Executivo foram aprovados, ou seja, 40. Entre eles, o PL 187/2015, que instituiu o Programa de Regularização Fiscal (Refis). O projeto gerou arrecadação de pouco mais de R$ 405 milhões. Outra conquista do governo, com o apoio dos parlamentares, foi a aprovação do PLC 23/2015, que autoriza a renegociar dívidas vencidas de contribuintes do DF. A estimativa é que esta medida arrecade cerca de R$ 300 milhões aos cofres do governo”, informou a assessoria do GDF em nota.
Ponto de vista
Doutor em Ciência Política nas áreas de governo e administração pública, José Mathias-Pereira descreve o cenário como de desespero. “Se tivéssemos boas gestões, não precisaríamos passar por essa situação. A chegada do Rollemberg foi vista como uma novidade, mas, do ponto de vista da capacidade de gestão e de montagem da equipe do governo, não difere em nada do Agnelo. Ambos não têm formação ou história como gestores”, analisa.
Para ele, o brasiliense precisa se preparar para uma sucessão de investidas em seu bolso porque o GDF não sabe mais como resolver os problemas. “Os governos, quando não têm competência ou criatividade, aumentam os tributos. É claro que essa não é a solução”. Para ele, em um momento de crise como esse, há outra vertente, menos cômoda, para a política fiscal: reduzir despesas. O problema, diz, “é que quando a gestão caminha para racionalizar a máquina pública, cortando despesas desnecessárias e ajustando o necessário, dá trabalho e incomoda aliados. Já perdemos quatro anos com o Agnelo e estamos caminhando para perder mais quatro. A cadeira de governador continua vazia”.
Pobres sofrem ainda mais
“Quem sofre é o pobre”, resume o administrador Francisco Marques, 52 anos. Ele diz ser impossível fugir dos “altos valores pagos ao governo”. “Tem o rombo, não tem como pagar e o que o governo faz? Cria impostos que só prejudica o trabalhador e o empresário. A saída do DF não é aumentar imposto porque o trabalhador já está tão sobrecarregado com isso que não consegue fazer nada. O dinheiro não rende. A saída é dar condições ao trabalhador e às empresas”, acredita.
Ele reclama que é “uma porrada atrás da outra”: “A luz aumenta e temos que tirar tudo da tomada para ver se consegue pagar a conta e, daqui a pouco, já vem outro imposto em forma de porrada. Não tem condições”. Como contribuinte físico e jurídico, Marques afirma que a situação é semelhante. Em sua empresa, diz que o gasto com imposto é “insuportável”, com lucro mínimo no fim do mês.
“Rollemberg fala de uma dívida herdada, mas o que ele está fazendo? Nada. Veja como está a saúde, por exemplo. Não vejo para onde vai esse dinheiro e só querem aumentar a arrecadação”, questiona.
Para Doralice de Souza, 53 anos, a situação tende a piorar. Aposentada, tira do próprio benefício o dinheiro dos remédios que deveriam ser concedidos pelo governo. No hospital, diz, nunca pode fazer exames por falta de equipamentos, insumos ou profissionais.
“Pago um monte de impostos e não tenho o serviço que preciso. Aumenta IPVA, IPTU, luz, tudo. Tem que começar a achar solução e não ficar jogando a culpa no passado. O que não dá é para ficar criando e aumentando os impostos”, diz.
Versão oficial
Procurada , a Subchefia de Relações com a Imprensa do GDF enumerou mecanismos para aumentar a arrecadação que vão além do aumento de impostos. Entre eles, o programa de renegociação de dívida, operações de combate à sonegação fiscal e cruzamento das informações em bancos de dados da Secretaria de Fazenda, como livros fiscais, notas eletrônicas e movimentação de cartões de crédito.
A Fazenda-DF ampliou o monitoramento de mercadorias em trânsito com rastreio de notas eletrônicas e rondas com auditoria de empresas transportadoras de caminhões. Também é feita a abordagem de veículos de carga. “Temos encaminhado para ‘protesto’ os inadimplentes. Ao longo de 14 meses, cerca de 17 mil CDAs (cadastros em dívida ativa) foram protestados”, alega. A respeito de parcelamento de salários, o GDF diz estar “fazendo de tudo para que isso não aconteça”, mas “não é uma possibilidade descartada”. “Além disso, tivemos a aprovação do projeto de apropriação dos fundos distritais (que possibilitou o uso de R$ 180 milhões), a Securitização da Dívida Ativa.
Em âmbito federal, a articulação do governador ajudou na aprovação da EC 87/ 2015, que prevê a divisão das receitas do comércio eletrônico, estimadas em R$ 200 milhões para o próximo ano”, acrescenta. Outro caminho tem sido requerer, junto ao Governo Federal, mais de R$ 1,5 bilhão em diferenças de repasse do Fundo Constitucional.
Salário não acompanha
Estudante, Larissa Silva é descrente com o futuro. “Infelizmente, não vai mudar”, diz, lembrando que, “enquanto os impostos só aumentam, o salário mínimo fica quase a mesma coisa”. Com tantos tributos e pouca renda, a jovem acredita que quase não dá para sobreviver. “E o pior é que a gente paga, paga, paga e não vê nenhum resultado,”diz.
“A corda sempre acaba arrebentando do lado mais fraco”, reconhece o economista César Bergo, do Conselho Regional de Economia. Ele lembra que “parece que existe uma situação complicada no caixa que foi herdada”, mas, em vez de reduzir a despesa, houve aumento de receita. “No lugar de reavaliar a estrutura das empresas públicas e passar um pente-fino na gestão, logo vai para o bolso do contribuinte”, critica.
Em casa, isso afeta a economia doméstica. “A pessoa tem seu orçamento, precisa cumprir suas obrigações, mas, no fim do mês, tem surpresas. Por mais que considere o valor dos impostos, eles vieram acima do esperado e bagunça o planejamento familiar”, observa.
O especialista projeta que a saída possível é o governo utilizar os recursos com efetividade: “Só com retorno a população vai perceber que o dinheiro está sendo usado como benefício, ainda que reclame”.
Secretário justifica reajuste da CEB
Pelas contas do governo, hoje, somente a CEB sofre um rombo superior a R$ 250 milhões. Segundo o secretário de Relações Institucionais, Marcos Dantas, o reajuste da taxa de iluminação pública é um passo inevitável para a melhoria dos serviços da empresa pública para a população e para o saneamento deste déficit. Caso a medida seja aprovada pela Câmara Legislativa, Dantas estima que o impacto da recomposição no bolso dos brasilienses fique entre R$ 6 e R$ 10, em média.
“O reajuste relativo à iluminação pública é só em cima da contribuição, não é em cima da conta de luz. É exclusivamente nesta taxa. E se faz necessário por conta do custeio dos investimentos da própria CEB. Se não for assim, a gente vai ter que tirar recursos do Tesouro, da Saúde, da Educação para poder fazer investimentos e melhorar a própria CEB”, explicou.
Crises
Dantas lembrou que a empresa passou por diversas crises nos últimos anos e precisa de investimentos. Segundo ele, o projeto faz cobranças por faixas, com a garantia de que o impacto será menor nas camadas mais humildes.
O secretário garantiu que todos os recursos gerados pelo eventual reajuste do tributo serão aplicados exclusivamente no aprimoramento da empresa. “Essa contribuição sobre a iluminação pública tem de ser aprovada pela Câmara até o fim deste mês. Senão, não vamos poder cobrar no próximo ano”, explicou.
(Colaborou Francisco Dutra)