(*) Nelson Valente
O fotógrafo Erno Schneider (1935-2022), um dos mais importantes nomes do fotojornalismo na segunda metade do século XX, morreu aos 87 anos, no Rio de Janeiro, onde morava. De acordo com relatos iniciais, o fotógrafo teria caído em casa. Schneider foi sepultado no cemitério São João Batista, em Botafogo, na tarde desta terça, na presença de familiares, amigos e antigos colegas. Nascido em Feliz, a 84km de Porto Alegre, Schneider entrou para a história como o autor da icônica fotografia do então presidente Jânio Quadros (1917-1992) com as pernas tortas, vencedora do Prêmio Esso de Fotografia de 1962. Capturada em 21 de abril de 1961, em Uruguaiana, na Fronteira Oeste do RS , na ponte que liga a cidade a Paso de Los Libres, na Argentina, a imagem do presidente com as pernas giradas em direções opostas simbolizou a confusão do governo de Jânio, que renunciaria à presidência quatro meses depois. Enquanto o Jânio ia encontrar o Frondizi na ponte, no meio da ponte, ele resolveu ir a pé. E estava andando, eu acompanhando-o do lado. De repente, deu um tumulto. Um tumulto muito grande. O Jânio levou um susto e se virou. Na hora, eu vi que ele estava todo estranho, todo torto. Eu senti que tinha uma foto diferente. Aí, eu dei um clique. Foi um só também – contou, na entrevista ao Fantástico. De 1964 a 1969, Schneider chefiou o departamento fotográfico do Correio da Manhã e acabou convidado por Roberto Marinho para ser o editor de fotografia do jornal O Globo, onde permaneceu pelas décadas seguintes.
Os presidentes Jânio Quadros, do Brasil, e Arturo Frondizi, da Argentina, caminham lado a lado pela cidade de Uruguaiana (RS), em plena performance política, acompanhada por jornalistas. Surpreendido por um ruído, Jânio se vira e é flagrado pela câmera atenta de Erno Schneider em uma pose inusitada: cada perna parece querer ir para um lado, os pés também indicam sentidos opostos, num desequilíbrio que sugere a iminência de uma queda, ou de um nó.
De 1964 a 1969, Schneider chefiou o departamento fotográfico do Correio da Manhã e acabou convidado por Roberto Marinho para ser o editor de fotografia do jornal O Globo, onde permaneceu pelas décadas seguintes.
A REUNIÃO: JÂNIO E FRONDIZI
A figura de maior destaque desta reunião foi Ernesto Che Guevara. Em meio a sua presença no Cone-Sul, os governos da Argentina e do Brasil resolveram convidar o líder revolucionário para visitar os seus países. Tal fato aguçou a polarização ideológica nos dois países, gerando uma crise política de significativa envergadura para os presidentes Arturo Frondizi e Jânio Quadros.
Por sua vez, os Presidentes Quadros e Frondizi firmaram a Declaração de Uruguaiana com a expressa intenção de solidificar e coordenar a ação conjunta entre as duas nações. Destacaram as dificuldades e as necessidades comuns aos dois países no cenário internacional e, de modo particular, sublinharam as condições econômicas e sociais decorridas do subdesenvolvimento que assolavam toda a América Latina. Realçaram o desejo mútuo de ampliar os laços de amizade, sob o princípio da ação conjunta, voltada ao entendimento recíproco, com vista a objetivos concretos, assim como o firme desígnio de consolidarem os vínc ulos políticos, econômicos e culturais entre os dois Estados. Para tanto, declararam:
“1) que os Estados Unidos do Brasil e a República Argentina orientam e orientaram sua política internacional em função da condição sul americana que lhes é comum, conforme a essência ocidental e cristã de suas nacionalidades e de acordo com as responsabilidades continentais assumidas;
2) que ambos os países estão decididos a impulsionar de maneira ativa e segundo critérios determinados por seus interesses nacionais, sua participação na solução dos problemas internacionais que os afetam, com o propósito de contribuir ao aperfeiçoamento das boas relações e do entendimento pacífico entre os povos;
3) que a preservação das instituições da democracia representativa e da consolidação dos princípios da liberdade e da dignidade da pessoa humana, inerentes à origem histórica de nossas nacionalidades, exigem com a maior urgência um esforço de ampla envergadura para acelerar os programas de desenvolvimento dos países da América Latina e extirpar definitivamente os males provocados pelas condições que afligem a maioria dos povos do continente;
4) que a progressiva piora dessas condições determina o surgimento de graves problemas políticos e sociais e que devem resolver-se com a participação ativa dos países do continente, rechaçando-se a interferência direta e indireta de fatores extracontinentais, respeitando-se o princípio da autodeterminação dos povos, de maneira a assegurar a efetiva soberania das nações e conforme as resoluções pertinentes adotadas nas reuniões interamericanas;
5) que a defesa da estabilidade política e social do sistema interamericano exige a coordenação de ações coordenadas e conjuntas que leve à rápida execução dos postulados da operação pan-americana, segundo o espírito da Ata de Bogotá, cujas perspectivas de realização acabam de receber o mais vigoroso apoio com o Programa Aliança para o Progresso, proposto pelo Presidente dos Estados Unidos da América;
6) que compartilham o critério de que a colaboração econômica externa somente pode render frutos mediante um vigoroso esforço nacional;
7) que, em consequência, deve-se fazer todo o necessário para aumentar os recursos nacionais, defendendo-se o valor internacional dos produtos básicos, lutando pela eliminação das restrições que cerceiam as exportações latino-americanas e promovendo e intensificando o comércio com todas as nações;
8) que os governos da Argentina e do Brasil estão decididos a colaborar de maneira firme e permanente na consecução daqueles objetivos que consideram também comuns a todos os países da América Latina, para fazer da amizade entre seus povos uma realidade efetiva e para consolidar a paz e a democracia em todo o continente”.
Ou seja, nos termos do documento assinado pelos Presidentes Jânio Quadros e Arturo Frondizi, ante as identidades geográficas de Brasil e Argentina, como partes da América do Sul, aliada a sua identidade cultural de países ocidentais e cristãos, propuseram a coordenação de seus esforços, no âmbito continental, na busca pela satisfação de propósitos comuns, quer fossem relativos aos seus interesses nacionais ou à solução dos problemas internacionais. Valorizaram e destacaram a preservação da democracia representativa, assim como dos princípios da liberdade e da dignidade da pessoa humana, alegando que tal intuito relacionava-se, em virtude das condições de subdesenvolvimento da América Latina, a um amplo esforço para acelerar os programas de desenvolvimento, sob a justificativa de que a deterioração das condições econômicas agravava os problemas políticos e sociais.
Reafirmaram os princípios da autodeterminação dos povos e da soberania das nações como meio de repudiar a interferência, direta ou indireta, de fatores extracontinentais na solução dos problemas políticos e sociais. Sustentaram que, para promover o desenvolvimento econômico latino-americano, era necessário priorizar os esforços de coordenação nacional, eliminar restrições, estimular o comércio, proteger os preços dos produtos básicos e empreender um esforço continental para que fossem ampliadas as fontes de financiamento público. Ao final, eles afirmaram que, a partir daquele momento, os governos da Argentina e do Brasil se colocavam de maneira firme e permanente na busca dos objetivos expressos na declaração, os quais entendiam serem comuns a todos os países da América Latina e os meios capazes de tornar a amizade entre os povos uma realidade efetiva, consolidando a paz e a democracia no continente.
Frondizi adotou como meio para superar as dificuldades internas e a dívida externa, assim como JK e Jânio Quadros, uma política exterior independente.
O Encontro de Uruguaiana não somente fora um episódio simbólico do desejo de deixar para trás anos de competição e rivalidade entre os países e para versas sobre o desenvolvimento das relações bilaterais de Brasil e Argentina, mas também, para a coordenação de uma ação internacional conjunta frente às grandes potências, nos organismos internacionais e instituições multilaterais de financiamento. Os presidentes também discutiram a colaboração de ambos os países na ONU, o conflito entre Peru e Equador, o intercâmbio comercial entre os dois países, questões culturais e de intercâmbio cient&i acute;fico, bem como, a questão cubana e como os países deveriam se posicionar diante desta. Tais preocupações deram origem a Declaração de Uruguaiana. A Declaração Conjunta sobre Cooperação Política, também chamada de Declaração de Uruguaiana, consistiu na afirmação dos pontos comuns das políticas externas independentes dos dois países. Autodeterminação dos povos, não-intervenção, desenvolvimentismo, universalização das relações comerciais, crítica a deterioração dos termos de troca, desejo de industrialização, busca da integração latino-americana, valores consagrados pela atuação internacional do governo Frondizi e apresentados como referências para a ainda embrionária política externa independente do governo J&ac irc;nio Quadros, são afirmados no documento como princípios básicos de um programa de atuação conjunta de Brasil e Argentina nas questões internacionais.
É importante ressaltar o que a Declaração de Uruguaiana não significava ato revolucionário, e não tinha por intenção confrontar de forma radical os Estados Unidos. O ato como gesto de insatisfação e necessidade de mudança das relações internacionais da região, marcando como ponta pé inicial do Brasil e a Argentina em busca do desenvolvimento econômico e industrial, e que futuramente viesse a ser ampliado para os outros países latinos.
No entanto, com a instabilidade interna que culminou na saída de Jânio da presidência no mesmo ano, bem como, a deposição de Frondizi, impossibilitou o progresso do acordo, além de que, nas próximas décadas os países passaram pelo sistema político de regimes militares.
Jânio Quadros assumindo uma posição de política exterior independente e isenta dos pré-conceitos ideológicos, visava os objetivos econômicos. O Brasil e a Argentina estavam em consonância em relação a política internacional e já vinham mantendo boas relações desde o período de JK. O Encontro de Uruguaiana foi o resultado do propósito de amadurecimento e fortalecimento da relação dos países latinos.
Entre os dias 5 e 17 de agosto de 1961, reuniu-se em Punta del Este – URU, uma reunião do CIES para debater a Aliança para o Progresso, um programa de assistência ao desenvolvimento da América Latina visando a contenção do comunismo na região.
Quando os revolucionários cubanos derrubaram o ditador Fulgêncio Batista, em 1º de janeiro de 1959, sem sombra de dúvidas a América Latina passava a viver um momento diferente em seu cenário político. A Revolução Cubana, devido ao forte poder de atração que exerceu sobre a esquerda, trouxe para a América Latina a “sombra” do conflito Leste-Oeste, principalmente ao definir no período de 1960-1961 o seu caráter socialista. A América Latina se inseria na Guerra-Fria e, no Brasil e na Argentina, o anticomunismo se revigorava tendo Cuba como novo inimigo a ser combatido.
Após a frustrada tentativa dos contrarrevolucionários cubanos treinados pela CIA de derrubar o governo revolucionário na Invasão da Baía dos Porcos, o governo Kennedy mudou a estratégia dos EUA para contenção do comunismo e da influência cubana sobre os latino-americanos. A nova estratégia consistia em apoiar líderes políticos favoráveis a reformas sociais dentro da ordem estabelecida, tais como: Rómulo Betancourt, na Venezuela, José Figueres, na Costa Rica, Jânio Quadros, no Brasil e, Arturo Frondizi, na Argentina. Para que tal apoio significasse reciprocidade ou apoio às ações norte-americanas, o presidente Kennedy, partindo da elabo ração feita pela Operação Pan Americana de que a miséria causava a subversão, formulou um programa de auxílio ao desenvolvimento da América Latina, intitulado Aliança para o Progresso.
O programa foi proposto pelo presidente Kennedy em uma recepção oferecida na Casa Branca, em 13 de março de 1961, aos embaixadores dos países latino-americanos em Washington. Para uma maior discussão da Aliança para o Progresso foi realizada em Punta del Este, no Uruguai, entre os dias 5 e 17 de agosto de 1961, uma reunião extraordinária do Conselho Interamericano de Desenvolvimento Econômico e Social – CIES.
A grande figura desta reunião acabou sendo o Ministro da Indústria de Cuba, Ernesto Che Guevara. Seus discursos foram transformados nos principais eventos da Conferência. Do lado de fora, grupos favoráveis e contrários a Revolução Cubana vindos de diferentes partes da região se manifestavam constantemente. Seus pais, irmãos, amigos e amigas de escola e da universidade vieram da Argentina para vê-lo.
Nas ruas do belo balneário uruguaio por onde passava o seu magnetismo era evidente, dos populares até os políticos mais conservadores, todos queriam um aceno, uma foto ou até mesmo trocar algumas palavras com aquele jovem argentino que representava os barbudos que ousavam desafiar a grande potência norte-americana a apenas algumas milhas de seu território.
Ernesto Che Guevara não somente causou impacto nas ruas e na tribuna de debates de Punta del Este, mas também, as suas passagens pela Argentina e pelo Brasil geraram controvérsias com intensas manifestações de apoiadores da Revolução Cubana e dos anticomunistas. A própria polarização política daqueles países propiciava um campo minado para que tais fatos ocorressem, sobretudo, devido à nova orientação dada as políticas externas pelos presidentes Arturo Frondizi e Jânio Quadros.
No início dos anos 1960, os governos de Jânio Quadros, no Brasil, e de Arturo Frondizi, na Argentina, adotavam políticas externas independentes. Os pontos em comum entre a política externa independente brasileira e a política externa independente argentina consistiam, basicamente, nos princípios de autodeterminação dos povos e de não-intervenção, no desenvolvimentismo, na universalização das relações comerciais, na crítica à deterioração dos termos de troca, no desejo de industrialização e na busca da integração latino-americana. Estes pontos em comum geraram um momento único na história das r elações entre os dois países, pois, em nenhum outro momento Brasil e Argentina tiveram tamanha afinidade e unidade de princípios e ações no contexto internacional.
O auge desta aproximação foi o Encontro de Uruguaiana, realizado nos dias 20, 21 e 22 de abril de 1961. Entre os pontos debatidos neste encontro estava à questão cubana e a posição que ambos os países iriam adotar na Reunião do CIES. Sobre a questão cubana, tanto o governo Quadros, como o governo Frondizi, tinham a leitura de que este era um conflito bilateral entre os EUA e Cuba e não um conflito hemisférico com o governo norte-americano queria fazer crer. Dessa forma, desde o início das hostilidades entre os revolucionários cubanos e o governo norte-americano, em maio de 1959, o presidente Frondizi propunha para a Argentina a tarefa de mediação do conflito. Tal posicionamento era compartilhado pelo presidente Jânio Quadros quando de sua posse em 1961.
Assim, mesmo apoiando a implantação da Aliança para o Progresso, esta postura de mediação fora a estabelecida para ser adotada por Brasil e Argentina em Punta del Este.
Na Reunião do CIES, apesar dos discursos ofensivos e em tom de denúncia, a postura do ministro Guevara não foi de forma alguma intransigente. Mesmo não tendo subscrito a Carta de Punta del Este por não concordar com seus princípios, declarou que não desejava o fracasso da Aliança para o Progresso. Esta postura reforçou a proposta de mediação de Frondizi e Quadros.
Na madrugada de 17 para 18 de agosto de 1961, na casa do chefe da delegação brasileira junto a ALALC, ocorreu o encontro. Em tom irônico, demonstrando seu famoso senso de humor, Ernesto Guevara iniciou a conversa agradecendo ao governo norte-americano pela invasão da Baía dos Porcos, que “deu a Cuba uma grande vitória política e transformou um pequeno país agredido em um igual”, ao mesmo tempo, “prometeu, rindo, que o governo Castro não atacaria a base de Guantánamo”. Em um tom mais sério, Guevara falou que a revolução cubana era irreversível, reconheceu as dificuldades econômicas e políticas que o governo cubano estava enfrentando e disse que se dispunha a indenizar as propriedades confiscadas com recursos da exportação.
Afirmou também que o governo de Cuba não pretendia cercar o país com uma cortina de ferro, “adotar as mesmas medidas agressivas aplicadas no Leste Europeu, nem estabelecer qualquer aliança política com o Bloco Socialista, apesar de suas naturais simpatias; e convocaria eleições livres, após institucionalizar o partido único”
Era para ser secreto, porém…
A preparação para o encontro entre Ernesto Che Guevara e o presidente Frondizi ficou a cargo de Jorge Carlos Carretoni, assessor do Conselho Federal de Investimentos da Argentina. Para que tal encontro ocorresse foram impostas as seguintes condições a Ernesto Che Guevara: “el traslado se haría bajo responsabilidad del gobierno argentino; no se anunciaría de manera alguna la reunión; y el visitante no hablaría con nadie más que con el Presidente”
O caráter secreto da reunião se colocava como uma necessidade no entendimento do presidente Frondizi devido, de um lado, ao aumento da tutela militar sobre o seu governo, sobretudo, com o fortalecimento dos setores anticomunistas na instituição, representados nos generais Iñiguez, Túrolo e Toranzo Montero, este último comandante em chefe do exército argentino, que conspiravam ativamente em favor de um golpe. Por outro lado, havia a preocupação com a própria vida de Che Guevara, preocupação esta compartilhada por este, uma vez que as atitudes dos gorrilistas estavam fugindo ao controle do próprio governo argentino.
Após a conversa a esposa de Frondizi, senhora Elena Faggionato, convidou Guevara para comer com ela e a filha um bom bife argentino, ao que este aceitou.
Posteriormente, mediante a autorização do presidente argentino, visitou sua tia Maria Luisa Guevara de Márquez Castro que se encontrava doente, retornando em seguida a Montevidéu, de onde partiu para o Brasil.
O sigilo da conversa entre Frondizi e Guevara não durou 24h e a informação acabou vazando ao longo do dia, fazendo estourar uma grave crise militar que quase levou a um golpe de Estado. O presidente argentino e a intelectualidade da USINA, grupo ligado a Rogélio Frigério, já haviam previsto esta possibilidade e ao que parece tinham clareza da dimensão que as repercussões teriam. O que indica a hipótese de que no cálculo dos ganhos políticos, a possibilidade de afirmação do governo argentino como mediador do conflito entre Estados Unidos e Cuba falou mais alto. Por sua vez, Castañeda indica que em 1992, Frondizi declarou que John Kennedy havia solicitado a ele que se r eunisse com Che Guevara a quem ambos acreditavam ser “um comunista amigo dos Estados Unidos”. Ao mesmo tempo, o autor indica tal possibilidade como uma análise “insólita e duvidosa”, pois, “nada indica que Kennedy pensasse uma coisa semelhante”.
Diante de tantas hipóteses e possibilidades, não há uma certeza das razões que fizeram o presidente Frondizi reunir-se com um dos ícones da Revolução Cubana. O certo é que após a reunião tornar-se pública, o governo argentino teve que fazer um verdadeiro malabarismo político para evitar a derrubada do presidente.
Ainda pela manhã do dia 19 de agosto, Frondizi reuniu-se com o chefe de polícia, capitão Recaredo Vázquez, quem o informou sobre os resultados de uma reunião entre os altos chefes da Marinha que haviam definido que o presidente deveria renunciar.
Por sua vez, em sua visita ao Brasil, Ernesto Che Guevara declarou que sua conversa com Frondizi foi sobre problemas gerais do continente, recusando-se “a prestar qualquer outra informação, ponderando que ‘cabe ao autor do convite (o presidente Frondizi) falar sobre o assunto’”.
Não somente na Argentina a passagem de Ernesto Che Guevara causou impacto político. No Brasil, o presidente Jânio Quadros, para usar uma metáfora de Castañeda, “também seria vítima da maldição do cubano errante”.
Porém, do outro lado da fronteira, a maldição foi mais profunda, pois, diferentemente do presidente argentino, Jânio Quadros optou por realizar um evento de notoriedade pública ao invés da discrição. Esta opção tinha claramente a sentido de buscar reafirmar a política externa independente e cortejar o apoio da esquerda ao seu governo, cujas medidas econômicas pautadas pela ortodoxia monetarista demonstravam-se impopulares. Assim, o ministro Ernesto Che Guevara chegaria ao Brasil às 23h30 do dia 19 de agosto de 1961 para reunir-se com o presidente brasileiro e ser condecorado com a Grã Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul. Na cerimônia de condecoração, ocorrida entre uma parte e outra da conversa reservada que tiveram Ernesto Guevara e Jânio Quadros, o presidente brasileiro pronunciou as seguintes palavras:
Ministro Guevara: v. exa. manifestou em várias oportunidades o desejo de estreitar relações econômicas e culturais com o governo e povo brasileiro. Esse é o nosso propósito também. E é a deliberação de assumirmos no contato com o governo e o povo cubano. E para manifestar a v. exa., ao governo de Cuba e ao povo cubano, nosso apreço, nosso respeito, entregamos a v. exa. esta alta condecoração do povo e governo brasileiro.
Ao que o ministro cubano agradeceu da seguinte forma:
Sr. presidente: como revolucionário, estou profundamente honrado com esta distinção do governo e do povo brasileiro. Porém, não posso considerá-la nunca como uma condecoração pessoal, mas como uma condecoração ao povo e nossa revolução, e assim a comunicarei com as saudações desse povo que v. exa. pessoalmente representa. E a transmitirei com todo o desejo de estreitar as nossas relações.
Após o termino de sua conversa reservada com o presidente Quadros, Che Guevara colocou-se à disposição dos jornalistas no Palácio do Planalto, concedendo, também, uma entrevista coletiva a imprensa no apartamento que se hospedara no Brasília Palace Hotel. Na primeira ocasião, declarou que sua visita ao presidente brasileiro não tinha objetivos práticos, pois era apenas uma visita cortesia para testemunhar os agradecimentos do governo cubano à atitude do Brasil em Punta del Este. Na segunda entrevista, ao referir-se a Reunião do CIES, declarou que o governo cubano não subscreveu as decisões porque fora excluído da Aliança para o Progresso, mas que vira com simpatia aquela reunião devido ao apoio recebido dos países latino-americanos para Cuba manter a sua posição de república americana. Para isso, “a atitude do Brasil e também de outros países puderam evitar aquelas agressões pesadas e as tentativas de afastar Cuba do continente, mantendo-a isolada”
Se em Cuba as repercussões da condecoração de Ernesto Che Guevara pelo governo brasileiro foram positivas, no Brasil, conforme já referido, causou uma forte crise política. No próprio dia da cerimônia os oficiais do Batalhão da Guarda se insubordinaram negando-se a formar as tropas para o evento, porém, a intervenção dos oficiais superiores acabaria por fazê-los mudarem de ideia. Esta era apenas uma amostra do que o presidente Jânio Quadros iria enfrentar.
No mesmo dia, o governador da Guanabara Carlos Lacerda, uma das principais figuras do liberalismo conservador e das tentativas anteriores de golpe contra os presidentes Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, que fora a Brasília, criou um incidente sobre o desvio das suas bagagens e uma suposta negativa do presidente em recebê-lo. Esta seria mais uma das suas tentativas de desestabilizar Jânio Quadros, que contou com o seu apoio nas eleições de 1960 e que por isso não admitira nem a sua reviravolta política, tampouco, o seu afastamento da tutela udenista, que o desnortearam de tal forma que passou a considerá-lo um traidor.
Tal clima se agravaria por toda a década 1960 e abriria caminho para os chamados Golpes Preventivos que fecharam um ciclo importante da história da América Latina.
(*) é professor universitário, jornalista e escritor