Mesmo com a crise sanitária provocada pelo novo coronavírus, a guerra contra o tráfico de drogas no Distrito Federal é intensa. Dados obtidos com exclusividade pelo Correio revelam que, entre janeiro e até a última sexta-feira, a polícia apreendeu cerca de oito toneladas de entorpecentes, um aumento de 200% em comparação a 2019 (veja no quadro), segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF).
No último dia 24, por exemplo, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e a Coordenação de Repressão às Drogas (Cord) da Polícia Civil apreenderam uma tonelada de maconha na BR-060, no Recanto das Emas. A substância, avaliada em R$ 2 milhões, estava escondida em um fundo falso do baú de um caminhão. O motorista do veículo foi preso. Ao Correio, o secretário de Segurança Pública, Anderson Torres, atribui as apreensões à atuação das forças de segurança. “Temos todo um trabalho de inteligência realizado pela polícia. Investigamos por meio dos inquéritos policiais e, com isso, conseguimos obter esses resultados de apreensões”, disse.
Combater o tráfico não é só pegar o pequeno bandido na ponta da rede criminosa, mas desarticular grupos ligados ao crime organizado no Distrito Federal. “Uma apreensão de uma tonelada de maconha, por exemplo, é um prejuízo grande aos traficantes. Não basta apenas apreender a droga. É muito importante que se tenha um levantamento de bens e de toda a estrutura criminosa usada para comercializar esses produtos. Direcionamos nosso foco para esse problema, que vai além do tráfico, envolve homicídios, roubos e furtos. Tem toda uma violência por trás para bancar esse comércio”, ressaltou.
A maconha (cannabis), é a substância ilícita mais apreendida pelas polícias em Brasília. Como aponta o levantamento da SSP-DF, das mais de oito toneladas de entorpecentes apreendidos entre janeiro e até sexta-feira, sete são de maconha. Em seguida, aparece o crack, com cerca de 114kg e a cocaína (84.714kg). “Para nós, é uma vitória esses números, mas lamentamos que isso (drogas) estejam chegando no DF. Temos vizinhos complicados na América do Sul, que produzem grande quantidade de drogas. Mas continuamos com o nosso trabalho de investigação”, destacou o secretário.
Em relação às ocorrências por tráfico, nos primeiros sete meses desde ano, o DF teve 1.865 registros, contra 1.639 considerando o mesmo período do ano passado. O levantamento mostra, ainda, que 130 pessoas foram presas na capital por organização criminosa.
Investimento
O titular da Coordenação de Repressão às Drogas (Cord) da PCDF, o delegado Rogério Oliveira, considera como primordial o uso de instrumentos tecnológicos para o aumento das apreensões. “Essas ferramentas são indispensáveis para ações de qualquer natureza investigativa, especialmente para o tráfico de drogas. O crescimento no número de substâncias apreendidas é resultado de uma intensificação no trabalho de inteligência da coordenação, junto a uma parceria realizada com a PRF, que tem se mostrado uma grande parceira da Cord na realização de ações conjuntas”, frisou Rogério Oliveira.
Na avaliação do especialista em segurança pública pela Total Florida (empresa de auditoria, consultoria, educação e mentoria de segurança) Leonardo Sant’Anna, é preciso saber em quais circunstâncias as drogas são apreendidas. Com isso, dá para se ter um cenário mais abrangente do mundo do tráfico. “É necessário se atentar às outras variáveis. Por exemplo, entender a forma de como essas substâncias foram apreendidas”. Para ele, os bons resultados vêm não só das apreensões, mas da desarticulação de um grupo de tráfico poderoso.
Sant’Anna considera que boa parte das apreensões é devido ao trabalho policial, mas ressalta que é necessário, ainda, investir em mecanismos de inteligência e em efetivo de profissionais da segurança. “Ainda não temos a quantidade de policiais compatível com a extensão territorial para proteger as fronteiras do país, que são porta de entrada de drogas. Hoje, há uma necessidade de tecnologia e de investimento em outras soluções, principalmente na tecnologia”, pontuou.
Professor de antropologia do direito e integrante do grupo candango de criminologia da Universidade de Brasília (UnB), Welliton Caixeta explica que, em relação às regiões administrativas da cidade que mais consomem drogas, estão o Plano Piloto e Lago Sul, onde o público tem poder aquisitivo maior. “Além desse abastecimento interno, temos meios internacionais de circulação dessas substâncias, como o Aeroporto de Brasília.”
O criminólogo considera que a política do combate às drogas vai além das apreensões. Envolve, segundo ele, caráter humano e ideológico. “Temos de ir atrás, principalmente, dos grandes comerciantes e de quem está por trás dessa rede. Pensar em alternativas que transfiram esse problema não só para a segurança pública, mas, sim, como saúde pública. Não podemos simplesmente lotar prisões. Isso é uma guerra perdida”, defendeu.
O professor acredita que o tráfico de drogas pode motivar a reincidência de presos no sistema carcerário. Atualmente, o Complexo Penitenciário da Papuda abriga cerca de 15 mil sentenciados, distribuídos em seis unidades prisionais. “Depois que o custodiado volta para a liberdade, depois de ficar preso, ele não tem oportunidades de reintegração na sociedade. A estrutura atual das prisões não são capazes de oferecer trabalho e educação a todos os presos. Então, é preciso avançar os esforços nesse sentido, uma vez que a geração de emprego diminui para a comercialização de drogas”, finalizou.
Operação Caixa Forte 2
A Polícia Federal (PF) deflagrou, nesta segunda-feira (31/8), uma megaoperação para desarticular braço da maior facção criminosa do país. Mais de 1,1 mil policiais cumpriram 623 ordens judiciais, sendo 422 mandados de prisão e 201 de busca e apreensão no Distrito Federal e em 19 estados do país, além do bloqueio judicial de até R$ 252 milhões.
Segundo informações obtidas pelo Correio junto às fontes na PF, foram cumpridos, na capital, dois mandados de prisão e três de busca e apreensão na cidade. As acusadas são duas mulheres, uma que morava em Águas Claras e a outra em Ceilândia. A reportagem apurou que elas eram responsáveis por receber dinheiro dos integrantes da facção criminosa.
As investigações apontaram que líderes da facção, mesmo na cadeia, recebiam uma espécie de auxílio. O valor era repassado aos criminosos por meio de contas de parentes indicadas por eles. Além dos líderes, quem cumpria tarefas consideradas mais complexas, como o assassinato de agentes públicos, também recebia os repasses.
A operação investiga o tráfico de drogas e a lavagem de dinheiro em todo o território nacional. De acordo com a PF, os dados obtidos na Operação Caixa Forte — Fase 01 revelaram que os valores auferidos com o comércio ilícito de drogas eram, em parte, canalizados para inúmeras outras contas bancárias da facção, inclusive para as contas do ‘Setor da Ajuda’, aquele responsável por recompensar membros da facção recolhidos em presídios.
*Com informações do Correio