Maria José Rocha Lima*
No final da década de 1980, em muitas reuniões do Movimento Anísio Teixeira em Defesa da Escola Pública, estudantes denunciavam a impureza da água que consumiam nas escolas. Certo dia, em reunião com estudantes, ouvi de um deles um relato sobre a situação de um dos tanques escolares que me causou um tremendo espanto.
Era um estudante do Colégio Edgar Santos. Ele disse:
– Professora, o tanque do colégio está sem tampa e os moleques de uma invasão, que fica atrás, estão defecando no seu interior.
Fiquei chocada, levei o problema para a reunião de diretoria e propus realizar um exame do tanque daquele colégio. A Zonal de Brotas, dirigida pela professora Marinalva Nunes, que era vice – presidente da APLB, já havia iniciado contatos junto ao Laboratório Central de Saúde Pública Gonçalo Muniz- LACEN/BA, para que fossem realizados exames nas escolas da sua zonal.
Assim, procuramos o LACEN, expusemos a situação aos sanitaristas e deles obtivemos todo o apoio e compromisso para ampliar a ação, examinando os tanques das grandes escolas da capital baiana.
O LACEN era o órgão certo, conceituado e responsável por investigação de agravos, verificação de produtos e análises relacionadas aos riscos epidemiológicos, sanitários, ambientais e da saúde do trabalhador.
A investigação diagnóstica dos tanques escolares se iniciou pela análise do tanque do Colégio Edgar Santos, de onde partiu a denúncia mais grave, e lá foi encontrado uma ascaris lumbricóide, em tamanho adulto.
Naquela época, o Jornal Correio da Bahia publicou em matéria de capa uma foto do tanque, contendo ascaris lumbricoide, conhecida popularmente como ”lombriga”. É o maior nematóide que infecta o trato intestinal humano e o mais comum no mundo, mais comum em crianças. Foi um escândalo, que chocou a comunidade baiana. Quase todos os veículos de comunicação da capital e interior noticiaram o fato. A Tribuna da Bahia, o Jornal da Bahia, jornais e tablóides do interior baiano. Também rádios e televisões noticiaram o fato, enfim, a imprensa deu grande repercussão aos resultados dos exames dos tanques escolares.
Os exames concluíram que em mais de 20 desses tanques foram encontrados coliformes fecais, bactérias que estão presentes em grandes quantidades no intestino do homem e animais de sangue quente. A Escherichia coli, por exemplo, tem seu habitat no trato gastrintestinal, sendo indicadora de contaminação fecal. Essas bactérias produzem toxinas que causam diarreias e até infecções.
O exame da qualidade da água expôs o desprezo dos governantes pelas crianças e adolescentes das classes populares, o descaso em relação aos professores e funcionários das escolas públicas.
Todos nos espantamos, mas quem sabe as escolas públicas baianas e as escolas brasileiras continuem com os seus tanques escolares destampados, sujos e infestados?
*Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação. Foi deputada de 1991 a 1999. É presidente da casa da educação Anísio Teixeira.