Segundo os laudos, parte dessa análise ocorre devido à falta de apresentação de dados suficientes sobre a vacina
Documentos elaborados pela área técnica da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e enviados ao STF (Supremo Tribunal Federal) apontam incertezas e “pontos críticos” relacionados à qualidade, eficácia e segurança da vacina russa Sputnik V, o que dificulta a liberação do imunizante.
Segundo os laudos, parte dessa análise ocorre devido à falta de apresentação de dados suficientes sobre a vacina. Sem isso, e a partir de verificação prévia nas informações já recebidas, a agência apontou nos documentos que não consegue fazer uma análise de benefício-risco “positiva” sobre a Sputnik V até o momento.
Nos últimos dias, governadores de 12 estados e dois municípios —Niterói e Maricá, no RJ— entraram com pedidos de importação excepcional do imunizante. Segundo os estados, a solicitação envolve ao menos 37 milhões de doses.
Os pedidos, no entanto, ainda não tiveral aval da agência, que alega falta de dados. O governo do Maranhão, que tenta autorização para 4,5 milhões de doses, pediu ao Supremo que determine a liberação.
Na terça (13), o ministro Ricardo Lewandowski determinou que a Anvisa analise até o fim de abril o pedido de importação excepcional da vacina Sputnik V feito pelo estado.
Caso a agência não tome uma decisão sobre o tema nesse período, que seria equivalente a 30 dias da data do pedido, o magistrado afirmou que o Maranhão estará automaticamente autorizado a importar a vacina russa e a distribuí-la à população.
No mesmo dia, o ministro retirou o sigilo dos documentos anexados no processo —o que deu acesso aos pareceres enviados pela agência.
Os dados foram divulgados inicialmente pelo Valor Econômico, e confirmados pela Folha.
Em um desses documentos, a gerência-geral de medicamentos e produtos biológicos da Anvisa lista em nota técnica uma série de incertezas na análise do imunizante, os quais apontam para a dificuldade de atestar, diante do baixo volume de dados enviados até aquele momento, a segurança da vacina.
Essa manifestação inicial cita tanto o pedido dos estados de importação excepcional da vacina quanto um pedido de uso emergencial feito pela União Química, e hoje com prazo suspenso.
A agência não recebeu, por exemplo, estudos de biodistribuição da vacina, os quais avaliam como a vacina e seus componentes se comportam no organismo humano e em animais.
“Como a vacina possui vírus competentes para a replicação, um estudo de biodistribuição da vacina proposta no organismo vivo é considerado crítico, devido ao potencial impacto em aspectos de segurança da vacina”, diz a nota técnica anexada ao STF.
A agência também não recebeu dados de estudos não clínicos de toxicidade reprodutiva —que avaliam a possibilidade de os componentes da vacina provocarem reações sobre a fertilidade e o desenvolvimento de embriões.
Relatório que sustenta a aprovação da vacina na Rússia ou em outros países também não foi apresentado, condição prevista em lei para análise do pedido de importação.
“Verifica-se que até o momento não há dados suficientes para se realizar uma análise de benefício-risco positiva sobre a vacina Sputnik V. Também não há relatório de análise disponível por autoridade internacional que dê suporte ao uso da vacina”, diz o documento.
Ainda de acordo com a agência, o controle de qualidade da vacina “não está adequado para garantir a segurança dos indivíduos vacinados com o produto nem a sua eficácia”.
No documento, a Anvisa diz que análise prévia dos documentos já apresentados no pedido de uso emergencial feito pela União Química aponta “pontos críticos” relacionados à qualidade, segurança e eficácia da vacina.
Entre esses pontos, estão ausência de um padrão de referência para comparar os lotes de vacinas usados em estudos clínicos com os lotes comerciais e presença, em um dos componentes da vacina, de partículas virais replicantes (capazes de se reproduzirem e de migrarem para órgãos específicos do corpo) em quantidade “acima daquela preconizada sem que estudos de suporte a essa quantidade tenham sido apresentados”.
A agência aponta ainda que a “o perfil de impurezas e contaminantes está incompleto e não é possível atestar que a empresa é capaz de removê-los ou controlá-los corretamente”, o que afeta a avaliação da qualidade.
O documento cita também incertezas sobre a avaliação de eficácia e segurança devido à falta de apresentação de todos os dados do estudo clínico, como o número de casos suspeitos e descartados de Covid em cada braço do estudo e se os dados foram avaliados por comitê independente.
“As deficiências no desenho do estudo pivotal de fase 3, associadas à ausência de dados importantes que permitam a correta avaliação dos resultados declarados, impossibilitam conclusões sobre a eficácia e a segurança da vacina com base nos dados apresentados.”
O parecer consta de documento com data de 30 de março. Questionada pela reportagem sobre a situação atual dos documentos no pedido feito pelos estados, a agência diz que ainda não recebeu relatório técnico referente à avaliação da Sputnik, o que impede que os dados sejam analisados.
“Também não foram apresentadas outras informações da vacina quanto aos aspectos técnicos de qualidade, segurança e eficácia que atestem o preenchimento desse requisito legal”, informa a agência.
Sobre o pedido de uso emergencial feito pela União Química, cujo prazo foi suspenso devido à ausência dos documentos necessários, a agência diz em nota que, até o momento, não há dados “que permitam concluir pela segurança da vacina”.
Dados de painel mantido pela agência para acompanhamento do processo mostram que, até a noite desta quinta (15), dos documentos necessários, 15,46% não foram apresentados, 63,75% são pendentes de complementação, 8,83% já tiveram análise concluída e 11,93% estão em análise.
“A partir dos dados e partes do estudo recebido até agora, a Anvisa identificou lacunas técnicas importantes que precisam ser respondidas e explicadas para se avaliar a segurança da vacina”, informou a agência, em nota.
A reportagem questionou a empresa União Química, que mantém uma parceria com o Fundo de Investimento Direto da Rússia para produção da vacina no país e negocia os contratos com os governos, sobre a previsão de apresentação dos dados.
Em nota, o diretor científico da empresa, Miguel Giudicissi Filho, diz que a União Química vem respondendo a perguntas e pedidos da agência.
“Com esse novo pedido, já respondemos aproximadamente 17 solicitações (na primeira manifestação da Anvisa), na segunda 37 e agora recebemos aproximadamente 100 novas perguntas que estamos trabalhando para responder”, informou.
Na última semana, após reunião com governadores, a Anvisa informou que buscaria informações junto à Organização Mundial de Saúde e Agência Europeia de Medicamentos, que também analisam dados da vacina, na tentativa de acelerar o processo.
Uma visita de inspeção a fábricas que produzem a vacina na Rússia está marcada para ocorrer a partir da próxima segunda-feira (19).
As informações são da FolhaPress*