Maria José Rocha Lima
Morre o ator de Hollywood Sidney Poitier, aos 94 anos de vida bem vivida. Em 2002, o ator recebeu o Honorary Award Oscars Poitier, sob os mais calorosos, emocionados e demorados aplausos das estrelas de Hollywood. Muitos disseram que uma só palavra descreve o ator: dignidade. Ele estrelou muitos filmes que abordavam as tensões raciais. Como único negro protagonista de Hollywood dos anos 1960, ele foi muito criticado por outros artistas ligados ao movimento pelos Direitos Civis. Mas era saudado por plateias em todo o mundo. Como um símbolo da nobreza da sua raça, com muita altivez e elegância suportou as críticas dos segmentos do movimento negro que diziam que ele a traíra assumindo papéis sob o escrutínio dos brancos.
No ano 2000, em entrevista concedida a Oprah Winfrey, ele falou que ser ator em Hollywood: era uma responsabilidade enorme .“E eu aceitei, e vivi de uma forma que mostrava como eu respeitava essa responsabilidade. Eu tinha que fazer. Para que outros viessem atrás de mim, havia certas coisas que eu tinha que fazer”, completou.
O filme Ao Mestre com Carinho (1967), estrelado por Sidney Poitier, é uma obra prima do cinema mundial. Ele foi o primeiro ator negro a ganhar o Oscar, em 1963. O filme, como todo clássico, é obrigatório para toda a humanidade. Todas as vezes que via esse filme, eu chorava. Tudo nele nos emociona, o abandono das classes populares, a vulnerabilidade social, a delinquência, o racismo, a luta do professor, a letra da música, que é uma homenagem a todos os mestres, tão desvalorizados, até os dias atuais.
O filme britânico, que tem como título original To sir, with Love, se baseia no livro Homônimo de E.R. Braithwaite. A trama se concentra nos padrões da adolescência em uma comunidade pobre da Inglaterra. Trata-se de um drama vivido por um engenheiro desempregado, que, no momento difícil de sua vida, resolve dar aulas em uma escola com alunos escorraçados de outras escolas e cheios de maus hábitos.
Assim, o professor Mark Thackeray se vê em meio a uma turma de adolescentes indisciplinados, rebeldes, desajustados, fugindo aos padrões sociais de comportamentos. Analisando a situação caótica da escola, Mark Thackeray percebe que ensinar não é tarefa para leigos e difícil para iniciantes. Desse modo, resolve enfrentar o desafio, mesmo sofrendo a repulsa dos alunos e, principalmente, o fato de seus colegas professores não acreditarem na possibilidade de algum sucesso.
O filme Ao Mestre com Carinho, como toda obra clássica, é absolutamente atual, especialmente no Brasil, que lidera o ranking mundial de violência contra professores. Aqui, casos de violência contra professores dentro das escolas são cada vez mais frequentes, gerando consequências na saúde física e emocional dos professores.
O levantamento realizado pela OCDE, com dados de 2013, revelou que 12,5% dos professores brasileiros ouvidos relataram ser vítimas de agressões verbais ou de intimidação de alunos ao menos uma vez por semana. No Brasil, além do índice de violência crescente e da afronta ao docente, evidenciam-se baixos salários, excesso de trabalho e desvalorização acadêmica.
De acordo com essa pesquisa, os professores brasileiros declararam gastar 20% de seu tempo em aula mantendo a ordem da sala comparada com a média de 13% dos 34 países entrevistados.
Cinquenta e quatro anos após a realização do filme, as políticas educacionais daquela época não são diferentes de hoje. Quantos alunos, no Brasil, chegam ao ensino superior sem sequer saber ler e escrever fluentemente? Outro problema do filme, igual ao nosso, era o fato de os professores não serem formados nas áreas específicas de ensino, realidade que prevalece em muitas instituições de ensino no Brasil. A situação vivida pelo professor no filme reflete a nossa realidade atual.
O professor tenta de todas as maneiras manter uma postura equilibrada e o respeito aos alunos, mesmo sofrendo uma crescente hostilidade. Certo dia, ao chegar à sala de aula, se depara com uma fogueira de livros próxima à sua mesa. Perde a calma, grita e ordena que os rapazes e moças se retirem da sala.
Preocupado com sua atitude e desgostoso, resolve mudar. Nesta nova proposta de atuação, retorna à classe e define novas regras e estratégias, realiza atividades criativas, a exemplo de visita ao museu etc. Assim, conquista a confiança e o respeito daqueles adolescentes, mostrando que há esperanças, que é possível a “humanização” dos alunos antissociais. Aos poucos, ele transforma a visão dos alunos, refletindo valores, promovendo comportamentos adequados e ajudando-os a crescerem e serem adultos e responsáveis por si. É reconhecido, com gesto carinhoso dos seus alunos!
O nosso tributo a Sidney Poitier, que estrelando papeis dignos ajudou o público das décadas de 1950 e 1960 a imaginarem os negros não apenas como escravos, mas como detetives médicos e professores!
Ao Mestre com Carinho, ontem, agora e sempre!
*Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação. Foi deputada de 1991 a 1999. É presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira. Diretora Administrativa da Associação Brasileira de Estudos em Psicanálise. Filiada à Soroptimist International –SI Brasília Sudoeste.