
Miguel Lucena
O revisionismo em voga, que tenta apagar da paisagem urbana os nomes de pessoas ligadas a períodos controversos da história, tem se mostrado não apenas uma injustiça seletiva, mas também um perigoso precedente para a fragmentação da memória coletiva. A retirada de nomes de ruas, praças e monumentos — muitas vezes por motivações ideológicas passageiras — está transformando nossas cidades em palcos de disputas simbólicas, onde o que deveria ser memória se converte em terreno de litígio político.
A mais recente polêmica em João Pessoa, como bem destacou Tião Lucena em seu artigo, expõe esse revisionismo em sua faceta mais arbitrária. Numa sanha por reescrever a história sob o prisma de um único ponto de vista, incluíram até o nome de Joacil de Brito Pereira entre aqueles a serem apagados. Joacil não foi militar, não foi torturador, não empunhou armas — foi um intelectual, deputado eleito pelo povo, presidente da Academia Paraibana de Letras. Que crime cometeu, senão o de ter manifestado sua simpatia por um regime que, à época, contava com a adesão de amplos setores da sociedade civil e da elite política?
É preciso compreender que nomes de ruas e praças são mais do que homenagens — são marcos de referência afetiva, geográfica e histórica. Mudá-los a cada troca de governo é instaurar um ciclo vicioso de apagamentos, um eterno desfazer do que o outro fez. Hoje se elimina Joacil, amanhã se apagará José Américo, depois Ivan Bichara, e em breve qualquer nome que não se alinhe com a ideologia dominante do momento será considerado impróprio para nomear uma esquina.
Defender a permanência desses nomes não é fazer apologia de regimes autoritários, mas sim reconhecer que a história é plural, contraditória, feita de avanços e recuos, de luzes e sombras. Não cabe ao poder de turno impor uma narrativa única. Cabe-lhe, sim, acrescentar: criar novas homenagens, erigir novos monumentos, abrir espaço para outras vozes — mas sem obliterar as que vieram antes.
Quem governa tem, naturalmente, o direito de escolher os nomes que deseja ver representados nos novos espaços públicos. O que não se pode admitir é que esse direito se estenda à destruição do que foi feito por gestões anteriores. Isso desfigura o território e desrespeita o sentimento das pessoas que cresceram, viveram, amaram e construíram suas vidas sob os nomes agora banidos. A memória urbana é um tecido que não se remenda com censura.
A pluralidade histórica exige convivência com os contrastes. Apagar nomes não corrige injustiças do passado; apenas enfraquece a identidade dos lugares e empobrece nossa compreensão da própria história. Que se combatam os erros do passado com educação, debate e verdade — não com o cinzel da censura simbólica.
Preservar os nomes das praças, ruas e bairros é, no fundo, preservar a memória das pessoas que por eles passaram. É respeitar a história como ela é: complexa, imperfeita, mas ainda assim nossa.