(*) Nelson Valente
Nasceu em janeiro, 25. Ano: 1917. Observem a coincidência: a 25 de janeiro comemora-se a fundação de São Paulo. Ouviu o galo cantar pela primeira vez em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Engatinhou em Curitiba. Em 1930 a família mudou-se para São Paulo. Depois, Lorena, Bauru, Garça, Cândido Mota. Novamente cidade de São Paulo. Jânio foi guri levado, cabeçudo, finca-pé. Não sei se os padres do Colégio Arquidiocesano chegaram a lhe puxar as orelhas, mas os castigos sucediam-se: decorar latim. Quousque tandem abutere. Virgílio, Horácio. Sabia poemas inteiros de cor. Talvez salteados. Daí as sementes de seus próprios versos. Fez poemas. Não sei se os recitava.
Mas falava como quem.
Vocês sabem quase tudo que sei sobre Jânio Quadros. Assim, vejamos como Jânio conseguiu subir nas árvores quase sempre flexíveis do poder. Árvores esguias às vezes, às vezes amplas de tronco, quebradiças, espinhosas, de raízes ávidas ou de fartas raízes: Vereador em novembro de 1947 com 1.707 votos. Deputado estadual em 1950 com 17.840 votos. Governador do estado de São Paulo em outubro de 1954 com 660.264 votos. Deputado federal pelo Paraná em outubro de 1958 com 78.810 votos.
Como será sua conta de chegada em 3 de outubro? Jânio obteve 5.636.523 votos em 1960 para Presidente da República.
Dizem que suas fontes de sabedoria jorraram de Cristo, Chaplin, Shakespeare e Lincoln. Quarteto heterogêneo, mas com predominante denominador incomum – conteúdo humano. Não se pode negar que soube escolher seus exemplos. Falavam também que pediu emprestado a Lenine algumas de suas táticas políticas (não ideológicas), mas não sei até onde iam suas intimidades com o líder russo. Seu bigode, meio sobre a escova desanimada, seria um empréstimo solicitado a Nietzsche. Estranha salada da qual resultou uma das mais estranhas personalidades desta república.
Um líder.
Em 1935, estava na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Fez política acadêmica. Foi primeiro-secretário do “Álvares de Azevedo” e do “XI de Agosto”. Havia três mulheres em sua vida: mãe, esposa e filha. Conheceu dona Eloá aos 21 anos. Ela, então brotinho de 15 anos, achou-o feio, mas alegaria mais tarde: – Quem vê cara, não vê coração. Casaram-se em 1942. São felizes ao que sei, e se entendem bem. O Jânio de então, decifrava palavras cruzadas, jogava xadrez, lia histórias policiais e frequentava (sem dançar) bailes de carnaval. Num desses b ailes, um frasco de lança-perfume explodiu perto dele. Vem daí o pequeno defeito que tinha numa das vistas. Mas que não o impedia de enxergar longe.
Navalha & Pente Por motivos que ainda não descobri, era inimigo da navalha e do pente. Parece que a barba o protegia do frio, da garoa paulista, dos inimigos, de si mesmo. Dizem que barba é amiga de meditações profundas. Acariciá-la equivale a aprimorar ideias. Cofiar um bom cavanhaque, confessou-me certa vez um amigo do Sul, o deixava afiado nos positivistas de sua cabeceira. O Jânio mudou ou foi mudado. Era barbudo, está escanhoado. Era pálido, está rosado. Era triste, está quase alegre. Era encurvado, está ereto . Era desconfiado, está mais ainda. Apresentava-se sempre bem barbeado, bem penteado, bem escovado, bem passado. Único senão à sua linha: usava suspensórios. Era quase elegante. Quase, eu disse. E as mulheres, principalmente suas eleitoras, já o consideravam quase bonito.
Quase, eu disse.
Observe-se que estou analisando seu lado humano, e não seu lado político. Brinca-se com um homem, mas não se brinca com suas ideias. O cidadão Jânio Quadros, por ser incomum, admitia considerações incomuns. Com o político Jânio Quadros não me meto. Ou não me meto nesta seção. Ele afirmava que iria salvar o Brasil, que definiria nossas estações, porquanto vivemos em permanente inverno, que considerava longo e tenebroso. Quando ingressou na política foi com a intenção de demonstrar que o regime democrático exige apenas honestidade e trabalho. Sempre se preocupou com os problemas brasileiros, sempre amou a pátria embora não seja personagem de hino. Em 1939, seu colega Nelson Coutinho escreveu artigo que dizia assim: – Nele tudo é patriotismo, é nacionalismo exaltado, é vibração cívica…
Nunca dormiu em berço esplêndido.
Ficou em moda ligar o substantivo carisma à personalidade de Jânio Quadros. Quem não o entendia, e o temia por não entendê-lo, ia logo dizendo de boca meio adernada: – Sei lá, ele é meio carismático. Nesse carismático vai um pouco de desconfiança, um pouco de intranquilidade, um pouco de velada admiração. Jânio era um político que usava armas inusitadas. Sempre procurou fugir ao lugar-comum administrativo. Seus bilhetinhos ficaram famosos em São Paulo. Sua administração sacudiu o funcionalismo público. Muita gente teve medo dele e muita gente o admirava fundo. Também o chamavam de “ messiânico”. Já foi imaginado de túnica branca e ampla, cabelos derramados pelos ombros, pregando às margens do rio Ipiranga.
Daria um bom apóstolo.
Comia mal, bebia muito bem, dormia tarde, acordava cedo, era extremamente nervoso, mas não se considerava explosivo. Ou melhor: controlava as explosões, porque as temia. A explosão – dizia ele – exclui melhor decisão, melhor certeza, melhor juízo. Se era pai autoritário? Não se julgava. Se era marido exigente? Pensava que não. Diz que dava á filha e à esposa liberdade de gosto e preferência. Era condescendente com os namorados de Tutu. Não a trancava em círculos de ferro. Procurava compreendê-la e ser compreendido. Gostava muito de viajar. Teve a preocupação de correr mundo para aprender. Espera nça de importar alguma coisa para nossa terra e nossa gente. Bisbilhotou o Japão, a Índia, a Rússia.
Considerava-se homem de formação clássica. Foi professor de português, geografia e história. Tinha uma gramática expositiva concluída. Em economia dizia-se acadêmico. Gostava de ler biografias de homens fortes: Bolívar, Lincoln, Bismarck. Detestava fazer compras ou ver vitrinas. Gostava de cães. Tinha alguns em casa: Guri e Totó, por exemplo. Nomes bem brasileiros. Ainda bem: – Sempre desconfiei de cachorro com nome sofisticado. Cachorro nacional tem que se chamar mesmo Joli, Sultão, Jagunço, Toco. Minha vizinha tem uma cadela chamada Blue Gardênia. Não confio nesse bicho. Conheço uma cadela chamada Sonata. Confi o menos ainda –, parafraseou Jânio. Os Quadros souberam batizar seus mastins. Bom sinal. Note-se: mesmo com bichos Jânio era intransigente – quis despedir os cães da Polícia Militar, quando Governador de São Paulo, porque fracassaram na busca de criança perdida.
Sentia-se atraído pelo Oeste, pelos ocasos, pelas auroras, pelo céu, pelas nuvens livres do Oeste. Entendia-se com índios. Era amigo de Cláudio e Orlando Villas Boas. Gostava de caçar em Mato Grosso. Atirava bem. A noite de 3 de abril de 1955 foi a mais dramática de sua vida. Seria ou não candidato à Presidência da República? No último instante renunciou em favor de Juarez Távora. Licenciou-se do governo para fazer a campanha com o general. Perderam. Serviu o treino. Era amigo de Getúlio Vargas e isso lhe valeu expulsão do PDC (que depois reconsiderou a medida).
Dizia o padre Arruda Câmara que ele não foi expulso, mas convidado a sair do partido.
Paulo, que irá cursar a partir de 1935.
1936
Aumentam os problemas financeiros da família Quadros. O estudante Jânio não pode pagar a segunda prestação da anuidade escolar e pede moratória ao diretor da Faculdade, Francisco Morato.
1938
Professor de Geografia e Português nos ginásios Dante Alighieri e Vera Cruz, em São Paulo, Jânio disputa sua primeira eleição, pelo Partido Acadêmico Conservador. Candidata-se a primeiro-secretário do Centro Acadêmico XI de Agosto, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, e elege-se após uma campanha em que pediu cada um dos votos pessoalmente. No mesmo ano, passou a integrar a Associação Acadêmica Álvares de Azevedo e a ocupar a cadeira Castro Alves da Academia de Letras da Faculdade de Direito. Escreve versos para as publicações de estudantes.
1940
Em 16 de janeiro, Jânio recebe o grau de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. Inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil sob o n.º 3.805, em 14 de outubro, inicia uma carreira na área criminal que duraria sete anos.
de São Paulo, na primeira eleição direta após o golpe de 1964. Antes da eleição visita o Presidente da Líbia, Muamar Kadafi, e sai do encontro elogiando “seus esforços pela paz mundial”. Termina em terceiro lugar, com 1.447.328 votos, contra 5.209.952 do eleito Franco Montoro, do PMDB.
1983
Lança quinze contos, livro recebido a pedradas pela crítica (prefaciados por José Sarney e Mário Palmério – ambos da Academia Brasileira de Letras).
1984
Às voltas com um câncer de mama, Eloá submete-se a uma cirurgia em São Paulo Jânio lança-se candidato à Prefeitura de São Paulo em 30 de abril.
1985
Pelo mesmo PTB, elege-se prefeito da Capital paulista com 1.572.454 votos.
1986
Assume o cargo de prefeito e pendura no seu gabinete um par de chuteiras, aposentando-se das disputas eleitorais.
1987
Descobre-se que Jânio mantém uma conta numerada em Genebra, na Suíça.
1989
Não comparece à entrega do cargo à prefeita petista Luiza Erundina. Embarca para os EUA e a Europa, de onde passa a alimentar a imprensa com especulações sobre sua candidatura à Presidência da República. Sofre um acidente vascular cerebral durante a viagem – o primeiro de uma série de derrames, que terminariam por entreva-lo numa cadeira de rodas.
1990
Em fevereiro, afirma-se disponível para disputar o governo estadual outra vez. Em julho, sofre novo derrame cerebral. É internado no Incor em outubro, em estado grave. Volta para casa entrevado, numa cadeira de rodas. Em novembro, perde a mulher Eloá e passa a receber uns poucos amigos, primeiro em sua mansão no Morumbi e depois num quarto de apart-hotel.
1992
Em 16 de fevereiro, falece o ex-Presidente Jânio Quadros.
(*) é professor universitário, jornalista e escritor