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Maria José Rocha Lima
“Só pela escola se pode construir a democracia e, dada à absoluta penúria da escola pública, democracia é ainda uma palavra vã, usada para justificar a farsa triste de um sufrágio universal irrisório.”
Anísio Teixeira
Nada mais justo do que nomear Anísio Teixeira como Patrono da Educação Brasileira, ou co-patrono, para não desmerecer outrem. Falar sobre Anísio Teixeira significa reconstruir toda a trajetória da luta em defesa da escola pública, laica, gratuita e de qualidade no Brasil. Atual, ele inspira, orienta e ilumina os caminhos dos que só acreditam na democracia com um povo educado e preparado para governar e controlar quem governa. Anísio, a rima certa entre teoria e prática, o desejo de transformar a realidade, dizia em 1947, em pronunciamento na Assembleia Legislativa da Bahia: “Não venho até aqui sem certo constrangimento falar sobre educação, porque sobre isto quase tudo já se discutiu, mas nunca se fez tão pouco num setor. Por isso, os educadores foram acometidos de um pudor pela palavra e um desespero mudo pela ação.”
Setenta e sete anos depois, poderíamos repetir o pronunciamento de Anísio e estaríamos atualizados.
No Manifesto dos Pioneiros, em 1932, escreveu: “Só existirá uma democracia no Brasil no dia em que se montar a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a escola pública. Mas não a escola pública sem prédios, sem asseio, sem higiene e sem mestres devidamente preparados, e, por conseguinte, sem eficiência e sem resultados. E sim a escola pública rica e eficiente, destinada a preparar o brasileiro para vencer e servir com eficiência dentro do país”.
Após 92 anos do lançamento do Manifesto dos Pioneiros, seu pensamento encontra-se atual: “A gratuidade, extensiva a todas as instituições oficiais de educação, é um princípio igualitário que torna a educação, em qualquer de seus graus, acessível não a uma minoria, por um privilégio econômico, mas a todos os cidadãos que tenham vontade e estejam em condições de recebê-la”.
O alerta dos Pioneiros– Anísio, Pascoal Leme, Fernando de Azevedo, entre outros– não foi ouvido pelo poder público e pelas elites brasileiras.
Nenhum educador brasileiro influenciou tanto as discussões das Políticas de Estado para a Educação Brasileira como Anísio Teixeira. Ele não apenas produziu ideias brilhantes, como afirmava Darcy Ribeiro, como as colocou em prática. inspirou as ideias de fundos orçamentários para proteger os recursos da educação; a escola única onde estudassem o filho do trabalhador e filhos das elites; a educação de tempo integral; a ampliação dos anos de escolaridade; a articulação entre educação e trabalho; a formação elevada para os professores; a articulação entre educação, cultura, arte, esporte e trabalho.
As Assembleias Nacionais Constituintes se referenciaram nas ideias de Anísio Teixeira. A Proposta de fundos orçamentários teve em Anísio Teixeira a inspiração, que sabiamente bebeu nas fontes do ministro do Império Rodolfo Dantas e do deputado e senador Rui Barbosa(1882).
Em 1989, na Bahia, nós conseguimos 2 milhões de assinaturas em defesa do Capítulo da Educação e incluímos a sua proposta de Fundo Estadual para Educação-FUNDEBA-, e mais tarde, como deputada, apresentei proposta de sua regulamentação.
Inspirou os Fundos de Manutenção e Desenvolvimento da Educação, tanto o Fundef quanto o Fundeb. Este último eu tive a imensa honra de elaborar sob a forma da PEC-119/1999 que deu origem ao FUNDEB, assessorando a Bancada do PT na Câmara dos Deputados.
Na última Constituinte Nacional, a discussão sobre orçamentos teve, fundamentalmente, a marca do grande educador baiano: “Essa nova escola pública” – menina dos olhos de todas as verdadeiras democracias – não poderá existir no Brasil, se não mudarmos a nossa orientação a respeito dos orçamentos do ensino público”. E mais: “Precisamos (…) constituir fundos para a instrução pública que estejam não só ao abrigo das contingências orçamentárias normais, como também permitam acréscimos sucessivos, independentemente das oscilações de critério político de nossos administradores”.
Anísio Teixeira é um precursor da Educação de Tempo Integral e da ampliação dos anos de escolaridade.
Anísio foi o primeiro educador a idealizar, propor e praticar a educação de tempo integral, com a ampliação da jornada escolar. Ele implantou, quando Secretário de Educação da Bahia, as Escolas Parques, Escolas Classes de Jornada integral, para Educação Integral. Dizia Anísio Teixeira: “Estendido o tempo da escola primária pelo dia letivo completo e pelos seis anos mínimos de estudos, teríamos a possibilidade de reorganizá-la para a educação de todos os alunos e não apenas dos poucos selecionados”.
A preocupação de Anísio responde às necessidades atuais da educação brasileira. Senão, vejamos: “Os filhos dos ricos têm um turno na escola e, noutro turno, dispõem de reforço escolar, aulas de dança, línguas, esportes, além de acesso a livros, revistas e vídeos; os filhos dos trabalhadores contam apenas com minguadas três horas e meia de aula e no outro turno, como observava Anísio, “desaprendem o que aprenderam no turno anterior”– porque ficam soltos nas ruas.
Deve- se às ideias de Anísio Teixeira a expansão dos anos de escolaridade. Para ele, “o ensino obrigatório deveria ter início na mais tenra idade e dever-se-ia estender progressivamente até uma idade conciliável com o trabalho produtor, isto é, até aos 18 anos, porque a obrigatoriedade do ensino é mais necessária ainda na sociedade moderna em que o industrialismo e o desejo da exploração humana sacrificam e violentam a criança e o jovem, cuja formação é frequentemente impedida ou mutilada pela ignorância dos pais ou responsáveis e pelas contingências econômicas”.
Anísio dizia que a escola primária deveria, assim, organizar-se para dar ao aluno (…) uma educação ambiciosa, integrada e integradora. Para tanto, precisa, primeiro, de tempo; tempo para se fazer uma escola de formação de hábitos (e não de adestramento para passar em exames) e de hábitos de vida, de comportamento, de trabalho e de julgamento moral e intelectual.
Quanto à articulação teoria e prática, há, na obra de Anísio, esforço de aproximação entre educação e realidade (trabalho). O grande mestre inovou ao implantar Escolas Parques “como local de atividades adequadas às idades, dentro de três setores que se conjugarão entre si, mutuamente, complementares e integrados: o do jogo, recreação e educação social e física; o do trabalho, em formas adequadas à idade; e o do estudo, em atividades de classe propriamente ditas”.
Os estudos da obra de Anísio Teixeira nos remeteram à discussão sobre a formação de professores: “Deveríamos elevar as escolas normais à categoria profissional (…) Não direi para torná-las, de chofre, de nível superior, mas para acentuar – lhes o espírito de formação nitidamente profissional.”
Inspirada nas suas ideias, quando presidente da Associação dos Professores Licenciados da Bahia – APLB -, criei o Movimento Anísio Teixeira em Defesa da Escola Pública, em 1988, que levou dezenas de milhares de pessoas às ruas de Salvador e de cidades baianas. Em 1990, instalamos o Tribunal Anísio Teixeira, com o objetivo de julgar os crimes cometidos contra a educação na Bahia. E aqui, em Brasília, criei a Casa da Educação Anísio Teixeira, que vem realizando projetos premiados, que me valeram o Prêmio Darcy Ribeiro da Educação.
O legado de Anísio Teixeira é para a atual e gerações futuras.