Maria José Rocha Lima[1]
No dia 12 de julho de 1900 nascia em Caetité, na Bahia, o educador Anísio Teixeira.
Falar sobre Anísio Teixeira significa reconstruir toda a trajetória da luta em defesa da escola pública, laica, gratuita e de qualidade no Brasil. Atual, ele inspira, orienta e ilumina os caminhos dos que só acreditam na democracia com um povo educado e preparado para governar e controlar quem governa.
Foi um personagem central na história da educação no Brasil, nas décadas de 1920 e 1930. Foi um dos mais destacados signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em defesa do ensino público, gratuito, laico e obrigatório, divulgado em 1932. Por isso mesmo, sofreu ataques da direita e da esquerda. Da direita, por não acreditar nos benefícios da educação para o povo, mais por temor do próprio povo. E da esquerda por vê-lo como “rebento da burguesia”, um liberal progressista que promoveria uma escola com ideais burgueses, que levaria ao povo os ideais de ascensão social da burguesia.
Um dos seus maiores legados são os Fundos de Financiamento da Educação. E sinto-me honrada por ter levado adiante essa proposta de Anísio, participando de todos os seus processos de elaborações. Primeiro o Fundeba (1993), Fundef (1996), Fundeb (1999) e Novo Fundeb (2017). O Fundeba foi apresentado por mim na Assembleia Legislativa da Bahia, em 1993, nele inspirada e em parceria com o ex – reitor da Universidade Federal da Bahia, Felipe Serpa (In memoriam), um genuíno defensor da escola pública e das ideias de Anísio Teixeira. Quanto ao Fundef, além de defendê-lo no movimento sindical, estive como deputada em audiência com o ministro da Educação Paulo Renato, articulada pelo reitor, apresentando as nossas propostas para a sua elaboração, e posteriormente fiz dele objeto de dissertação para obtenção de título de mestre pela Universidade Federal da Bahia (2000), tendo pesquisado: As repercussões do Fundef na valorização do magistério baiano – um olhar classista.
Merecem destaque as discussões sobre o Fundeb na Equipe de Transição do Governo FHC para o Governo Lula, quando o Fundeb ganhou “mãe adotiva”: a deputada Iara Bernardi – PT/SP. Havia muitas divisões no interior do partido sobre a criação ou não de fundos de financiamento, alguns achavam que fundos engessavam o orçamento. Diferentemente desses, a Deputada Iara Bernardi defendia a criação de fundo para a democratização e proteção dos recursos orçamentários da educação pública e por isso me indicou como relatora da equipe de transição. Eu era, à época, consultora da Bancada do PT e havia elaborado a PEC-112/1999, que deu origem ao Fundeb. Em 2017, mais uma vez quis o destino que eu participasse dessa construção e eu fui assessorar na área da educação a senadora baiana Lídice da Mata -PSB/BA, que apresentou seus pleitos em favor da educação, e elegemos como prioridade elaborar um Novo Fundeb, tornando-o permanente. Já havia uma proposta tramitando na Câmara dos Deputados para garantir a sua atualização, mas não o tornava permanente. Mais uma vez, inspiradas em Anísio Teixeira, elaboramos a PEC -024/ 2017, apresentada pela senadora Lídice da Mata, que tornou permanente o Fundeb, dando-lhe estabilidade jurídica, incluindo-o no corpo da Constituição Federal; elevava os investimentos em educação por parte da União de 10% para no mínimo 50%, para melhor cooperar e fortalecer a educação nos estados e municípios; acrescentava aos recursos do Fundeb um percentual dos recursos provenientes da participação no resultado ou na compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural; garantia a implantação do Custo Aluno-Qualidade para o alcance da educação de qualidade em creches, na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio; garantia a elevação do piso salarial para o magistério da educação básica e a implantação das metas do plano nacional de educação (PNE) para incentivo à carreira do magistério nacional; determinava que os pisos salariais dos professores fossem complementados pela União, quando os estados e municípios não pudessem arcar, devendo o piso salarial de o magistério ser uma referência para a administração pública nacional.
A PEC 024/2017 teve a senadora Fátima Bezerra como relatora na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado. Ela apoiou e ampliou o Novo Fundeb, em alguns aspectos. E, eleita governadora do Rio Grande do Norte, pautou a sua discussão na primeira reunião de governadores.
Para Anísio, “só existirá uma democracia no Brasil no dia em que se montar a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a escola pública. Mas não a escola pública sem prédios, sem asseio, sem higiene e sem mestres devidamente preparados, e, por conseguinte, sem eficiência e sem resultados. E sim a escola pública rica e eficiente, destinada a preparar o brasileiro para vencer e servir com eficiência dentro do país”.
“Essa nova escola pública – menina dos olhos de todas as verdadeiras democracias – não poderá existir no Brasil se não mudarmos a nossa orientação a respeito dos orçamentos do ensino público”.
“A escola primária deverá, assim, organizar-se para dar ao aluno uma educação ambiciosa, integrada e integradora. Para tanto, precisa, primeiro, de tempo; tempo para se fazer uma escola de formação de hábitos (e não de adestramento para passar em exames) e de hábitos de vida, de comportamento, de trabalho e de julgamento moral e intelectual”.
A preocupação de Anísio responde às necessidades atuais da educação brasileira. Os filhos dos ricos têm um turno na escola e, noutro turno, dispõem de reforço e acompanhamento; aulas de dança, línguas e esportes, além de livros, revistas e vídeos, viagens; os filhos dos trabalhadores contam apenas com minguadas três horas e meia de aula e no outro turno, como observava Anísio, “desaprendem o que aprenderam no turno anterior” – porque ficam soltos nas ruas.
O legado de Anísio Teixeira para a geração atual e as gerações futuras é de que “só pela escola se pode construir a democracia. E dada à absoluta penúria da escola pública, democracia é ainda uma palavra vã, usada para justificar a farsa triste de um sufrágio universal irrisório”.
[1] MARIA JOSÉ ROCHA LIMA é mestre em educação pela Universidade Federal da Bahia, doutora em psicanálise. Foi deputada de 1991 a 1999. É presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira. Diretora administrativa da Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise-ABEPP. E Soroptimist International –SI- Brasília Sudoeste.