
Por Miguel Lucena
O artigo “Da granada no bolso aos 60% de reajuste: a lição que a PCDF não pode esquecer”, escrito por Talles Murilo, escrivão da Polícia Civil do Distrito Federal e diretor de Comunicação do Sinpol-DF, é um dos diagnósticos mais lúcidos já produzidos sobre o período recente de desvalorização da corporação e sobre o significado político da recomposição salarial conquistada. Sua reflexão precisa ser ampliada, pois toca num ponto central: a sobrevivência de uma categoria essencial não pode ser sacrificada em nome de ilusões ideológicas — sobretudo as de caráter reacionário.
A metáfora da “granada no bolso”, empregada por Talles, descreve com exatidão a situação vivida pela PCDF durante anos. Era como carregar um artefato prestes a explodir: salários congelados, crescente pressão de trabalho, ataques ao serviço público e uma política deliberada de estrangulamento institucional. A recomposição de cerca de 60% conquistada nos últimos anos desarmou, momentaneamente, esse dispositivo — mas deixou clara a necessidade de memória e vigilância.
O risco maior, como destaca o autor, é permitir que discursos de austeridade travestidos de neutralidade técnica voltem a ganhar força. Esses discursos, que pregam um Estado mínimo e tratam servidores como custo dispensável, não são neutros: são ideológicos. E, no caso do funcionalismo da segurança pública, perigosamente reacionários. Eles fragilizam carreiras, empobrecem profissionais, reduzem a capacidade operacional da polícia e, ao fim, prejudicam a própria sociedade que se pretende proteger.
Ao reforçar a análise de Talles Murilo, é preciso lembrar que a segurança pública não sobrevive a longos ciclos de desvalorização. Uma polícia civil que perde remuneração, direitos e estabilidade perde também seus melhores quadros. Torna-se menos eficiente, menos atraente e menos capaz de responder ao crime organizado em um cenário cada vez mais complexo.
Por isso, a recomposição não pode ser vista como favor, nem como vitória isolada. Deve ser entendida como reparação histórica e como ponto de partida para um compromisso permanente com a valorização da PCDF. Compromisso que não pode depender da boa vontade de governantes, tampouco de agendas econômicas que tratam o servidor como variável de ajuste.
A lucidez do artigo de Talles Murilo reside exatamente na advertência: conquistas se desfazem se não houver memória, união e mobilização. A “granada no bolso” não foi uma metáfora retórica, mas a descrição de uma ameaça real, gestada por projetos políticos que atacaram o Estado e demonizaram seus servidores.
Que essa lição não seja esquecida. Que a recomposição salarial seja apenas o primeiro passo para blindar a PCDF contra novos ciclos de desmonte. E que a categoria continue vigilante — sempre atenta para que aventuras ideológicas não voltem a comprometer sua dignidade, sua estabilidade e sua função essencial para o Distrito Federal.


