
Zeugma Santos
A fogueira ainda arde no centro, onde cada um tenta aquecer apenas a si mesmo.
O outro? Que fique na sombra.
No lugar do velho porrete, agora empunhamos um celular.
Brilha na mão como uma tocha, mas muitas vezes serve para bater.
Não é com força física — é com palavras secas, recados ríspidos, julgamentos instantâneos.
A gente não escuta mais.
A gente responde.
Corrige, acusa, bloqueia. Tudo com o polegar.
E às vezes somos a vítima.
Mas, quase sempre — sem nem perceber — também somos os autores.
Já deixou alguém esperando uma resposta que não veio?
Já ignorou uma pergunta difícil com um “depois falo”?
Já escreveu algo duro demais, sem pensar que do outro lado tinha alguém tentando se equilibrar?
Já usou o celular como porrete?
Todos nós já usamos.
Todos nós já sentimos o impacto.
A civilização não é o que vestimos, o que lemos, o que compramos.
É como a gente convive.
E o convívio anda frágil.
As palavras andam afiadas.
Os gestos, frios.
O tempo, curto demais para a escuta — longo demais para o julgamento.
Mas às vezes, no meio da fumaça da caverna, passa uma borboleta.
Frágil.
Leve.
E quase ninguém vê.
Ela atravessa de um lado ao outro — como se dissesse que ainda dá.
Que podemos deixar o porrete.
Que podemos sair da caverna.
Que ainda dá tempo de virar gente.