O livro “21 Lições para o Século 21”, do israelense Yuval Noah Harari é leitura fundamental para entender os fenômenos que vêm acontecendo em todo o planeta e que levaram ao sucesso eleitoral, aqui no Brasil, do presidente Jair Bolsonaro. O caminho que fez crescer no mundo ideias como o negacionismo científico, o retorno a um nacionalismo exacerbado, a reação ao caminho que levava a um mundo cada vez mais único e globalizado. Tudo isso envelopado em um discurso assumidamente de direita. Associado aqui no Brasil a uma condução liberal da economia.
Quando Bolsonaro foi eleito e nos primeiros momentos de seu governo, tudo levava a crer que a construção de tal caminho tinha tudo para por aqui florescer. Levando Bolsonaro, talvez, a uma tranquila reeleição. No máximo, poderia aparecer como seu adversário alguém que se diferenciasse somente em alguns conceitos, mas que disputasse com ele a mesma linha conservadora.
O problema é que apareceu um vírus pelo caminho. Um vírus altamente contagioso que se espalhou de forma igualitária pelo planeta. Que fez questão de evoluir eliminando no caminho todos os conceitos de que fosse somente “uma gripezinha”, “um resfriadinho”. Que fez questão de contaminar e mandar para a UTI alguns importantes ideólogos desse caminho negacionista, como o descabelado primeiro-ministro inglês Boris Johnson. Que já matou nos Estados Unidos mais gente do que na Guerra do Vietnã. Fazendo com que Donald Trump também acabasse convencido da sua gravidade.
Em questão de poucos meses, o mundo começou a se dar conta de que o caminho global que percorrera até o surgimento dessas novas ideias conservadoras que vinham dominando o mundo era o único caminho possível para enfrentar uma Terceira Guerra Mundial que veio de uma forma que ninguém imaginava. Contra um organismo invisível e microscópico.
Que só pode ser enfrentado com o auxílio da ciência que vinha sendo negada. Que só pode ser combatido com um esforço mundial que ultrapassa fronteira. Que vai levar o mundo a uma profunda crise econômica, que talvez seja superada com o auxílio de governos e projetos desenvolvimentistas bem longe do ideário liberal tradicional.
Ou seja: o novo coronavírus deu uma bagunçada total nesse projeto. Seria bem fácil para os ideólogos do modelo se fosse mesmo possível provar que o vírus foi feito em um laboratório chinês exatamente com o propósito de dar essa bagunçada. “Ah! Esse maldito vírus comunista”.
Em primeiro lugar, o mais provável é que essa conversa no máximo vire mais uma teoria da conspiração e nos rondar, sem comprovação alguma.
No nosso caso específico, há ainda uma série de comportamentos específicos do presidente Bolsonaro para agravar a crise que ele não pode jogar nas costas invisíveis e microscópicas do novo coronavírus. O novo coronavírus nada tem a ver com a forma como primeiro Bolsonaro demitiu o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta no meio da pandemia. O novo coronavírus só agradece quando Bolsonaro tenta negar ou pelo menos minimizar a sua existência.
Muito menos tem ainda o novo coronavírus a ver com a briga que levou o ex-ministro da Justiça Sergio Moro a se demitir. O novo coronavírus não tem interesse algum na diretoria-geral da Polícia Federal. Pouco importa ao novo coronavírus o curso dos inquéritos sobre fake news no Supremo Tribunal Federal. Se existe ou não no Palácio do Planalto um gabinete do ódio.
O novo coronavírus não convidou a atriz Regina Duarte para ser secretária da Cultura. E pouco lhe interessa se ela prossegue ou não no governo.
Exemplo veemente de como o novo coronavírus anda descolado disso tudo foi a romaria de empresários patrocinada ontem por Jair Bolsonaro na direção do Supremo. Enquanto ele lá ia pedir a reabertura da economia, o novo coronavírus matava mais 600 brasileiros. Se Bolsonaro não entender que o novo coronavírus não está nem aí para o seu projeto político – nem para o projeto político de quem quer que seja -, acabará derrotado por ele.
Por Rudolfo Lag/JBr*