Os recentes confrontos na Bolívia, Equador e Chile refletem uma ampla mudança na região que testa militares, policiais e governos. Os cidadãos, cansados de políticas de austeridade e sentindo-se abandonados, decidiram sair às ruas, enfrentando a polícia e incendiando edifícios. Os alvos incluíram infraestruturas nacionais, como campos de petróleo.
Líderes políticos enfrentam movimentos que se transformaram em várias demandas, às vezes de diversos grupos. No caso da Bolívia, Evo Morales, o líder que estava há mais tempo no poder na América do Sul, não conseguiu acalmar a população depois de uma eleição polêmica e acabou fugindo para o México.
Essas semanas de descontentamento concentraram a atenção nos militares. Os chefes do Exército naturalmente têm interesse em certos líderes ou em certos resultados.
Mas, em uma região com lembranças sombrias das ditaduras, também há perigo em recorrer ao Exército. Diante de ações violentas dos manifestantes, os soldados podem ter que enfrentar situações para as quais não estão preparados ou treinados, mas onde também têm melhor armamento que o da polícia, o que pode levar a medidas extremas.
“A participação de forças militares no controle da agitação social deve ser uma exceção, para situações especificamente previstas em lei, e não uma regra, como está acontecendo cada vez mais na América Latina”, disse Rocío San Miguel, presidente do grupo Control Ciudadano, da Venezuela.
O general da reserva Paulo Chagas disse que, nos últimos tempos, as forças armadas têm sido chamadas para manter a lei e a ordem, limpar praias, ajudar nos projetos de infraestrutura. Segundo ele, isso mostra que as forças armadas têm uma função participativa, e não são simplesmente decorativa.
Mas, ao mesmo tempo, a prática não é recomendada, segundo Chagas. Primeiro, porque gera desgaste de imagem e recursos. Segundo, porque mostra a deficiência da estrutura do Estado.
O presidente do Chile, Sebastián Piñera, tem sido cuidadoso. Mesmo enfrentando violentos protestos, enviou rapidamente os militares de volta aos quartéis após críticas pelas mortes de pelo menos 19 pessoas, optando por deixar a segurança nas mãos de uma força policial sobrecarregada. No entanto, apareceu em público ao lado de altos oficiais do Exército.
No México, o governo não recorreu ao Exército para conter a agitação. Mas os militares desempenharam um grande papel na década passada contra os violentos cartéis de drogas.
A Argentina é exceção. As forças armadas do país não são populares e ainda são criticadas pelo papel na ditadura de 1976 a 1983, quando houve graves violações dos direitos humanos.
Mas isso não significa que o Exército esteja prestes a desaparecer.
No Brasil, os militares se alinharam com o capitão reformado do Exército Jair Bolsonaro, que escolheu o general Hamilton Mourão como vice-presidente.
“É uma medida de fraqueza política”, disse Michael Shifter, presidente do Inter-American Dialogue e professor da Universidade de Georgetown.
“Não é um bom sinal para a democracia que o Exército seja o árbitro”, disse. “É um reflexo da falência de partidos e de líderes políticos que precisam confiar nos militares para governar e permanecer no poder.”