Projeto de multinacional britânica de combater doenças causadas pelo mosquito Aedes aegypti também é executado em parcerias com governos municipais.
Aedes do Bem tem versão mini para combater doenças em uso residencial — Foto: Felipe Tucci/Produtora São Paulo
Por Marcello Carvalho, g1 Campinas e Região
O projeto “Aedes do Bem”, que utiliza mosquitos geneticamente modificados em laboratório para atuar no combate a doenças causadas pelo Aedes aegypti, ganhou um novo modelo que utiliza “mini caixas” da tecnologia em versões domésticas, com dosagem menor dos insetos para uso em residências ou pequenos estabelecimentos comerciais.
A informação é da multinacional britânica de biotecnologia responsável por fazer a mutação genética do mosquito e que tem planta em Campinas (SP). A empresa também possui o projeto ativo na versão maior, quando são feitas parcerias com os governos municipais para soltura em pontos da cidade, em cinco municípios do país.
A opção do uso das caixas domésticas do “Aedes do Bem”, que estão à venda pela internet e também em algumas gôndolas de lojas físicas em algumas cidades, entre elas Campinas, aparece em meio a um aumento expressivo de casos de dengue em todo o Brasil e a preocupação quanto ao surgimento de uma epidemia.
Na metrópole, o cenário é de alerta principalmente para a reintrodução dos sorotipos 3 e 4, que não circulam no município desde 2009 e 2014, respectivamente. De acordo com a Secretaria de Saúde, até quarta-feira (31), Campinas já havia registrado 1.483 casos em 2024, enquanto que, no ano passado, foram 11.332 infecções e três óbitos – a sexta maior epidemia de dengue da história da metrópole.
A empresa informou que criou o “Aedes do Bem” para oferecer uma solução de enfrentamento à dengue e a outras doenças causadas pelo Aedes Aegypti, como Zika e Chicungunya, por meio do controle biológico das espécies com uma estratégia de combater “mosquito com o mosquito”.
O projeto teve ações de testes na região, em Indaiatuba (SP), antes de ser aprovado para uso comercial pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), em 2020.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) chegou a emitir um comunicado no qual informa que também deveria regular e autorizar a comercialização do produto, o que gerou um processo judicial. Até agora, a decisão da Justiça é de que, por se tratar de Organismos Geneticamente Modificados (OGM), cabe ao CTNBio a regulamentação.
A tecnologia usa mosquitos autolimitantes para combater a própria espécie, fazendo o controle da população de fêmeas transmissoras de doenças e, assim, aumentar a proteção.
O g1 conversou com a CEO da empresa no Brasil e explica, abaixo, detalhes do que se trata a iniciativa, como ela age em ambientes domésticos, estratégias para “popularizar a tecnologia” e, por fim, uma atualização dos resultados da execução do projeto em Indaiatuba.
Nesta reportagem você vai ver:
- O que é o Aedes do Bem?
- Como funciona a ‘versão’ para residências?
- Qual é a quantidade?
- Quanto custa e como encontrar?
- Como expandir a proposta?
- Quais cidades o Aedes do Bem está ativo?
- Há riscos? E qual é a eficácia?
- Quais foram os resultados em Indaiatuba?
O que é o Aedes do Bem? 🦟
👉 Implantado no Brasil desde 2011, o “Aedes do Bem” se desenvolve dentro de uma caixa quando os ovos do mosquito macho entram em contato com água limpa. Quando eles atingem a fase adulta, voam da caixa para o ambiente urbano e acasalam com as fêmeas do Aedes aegypti – que picam e são responsáveis pela transmissão de doenças.
Deste cruzamento, as fêmeas não sobrevivem e apenas os descendentes machos chegam à fase adulta, herdando dos pais a característica autolimitante (ou seja, que não picam e transmitem doenças). O resultado observado pela companhia é a queda do número de fêmeas e, consequentemente, o controle populacional do Aedes.
Um mosquito Aedes aegypti macho geneticamente modificado é visto na fábrica Oxitec em Piracicaba, no interior de São Paulo. Batizado de ‘Aedes do bem”, o mosquito produzido pela empresa possui uma alteração genética que torna sua prole estéril — Foto: Paulo Whitaker/Reuters
Como funciona a ‘versão’ para residências? 🏡
👉 O processo e a mutação genética são os mesmos. A partir do momento em que o consumidor final compra a caixa mini do “Aedes do Bem” para soltar no quintal de casa, pátio de empresa ou em pequenos comércios, ela faz a ativação dos ovos com água, eles eclodem e o inseto surge no interior da caixa.
👉 O período para que o mosquito se desenvolva é de 10 a 14 dias. A partir disso, ele começa a sair entrar em contato com os Aedes fêmea. Para manter as liberações constantes, o consumidor deve ativar uma nova caixa a cada 28 dias.
“A gente queria uma solução que não dependessem dos governos para que as pessoas tivessem acesso direto. Aí a gente pensou no mini. Para tratar uma área menor, seja quintal, seja empresa, a gente precisa de menos mosquitos. Por isso, a caixa é menor e pode ser usada no formato doméstico. A pessoa compra, abre a caixa, coloca a quantidade de água até uma marca que tem dentro, onde também tem um cesto plástico com os ovos do Aedes do Bem e uma ração para as larvas se alimentarem até a fase adulta”, disse a CEO da Oxitec, Natália Ferreira.
Qual é a quantidade? 📈
👉 Segundo a Oxitec, a caixa grande, utilizada para soltura em ambientes grandes e públicos em parceria com as prefeituras, tem capacidade para liberar 1,2 mil mosquitos adultos, enquanto que a mini caixa para residências libera entre 300 e 400 insetos.
Quanto custa e como encontrar? 💰
👉 Cada mini caixa está à venda no site da empresa por R$ 199. O envio é feito no Brasil inteiro, mas o projeto também está disponível em lojas físicas. Em Campinas, por exemplo, ela está à venda em um empório no bairro Gramado. O desafio, no entanto, segundo a CEO, é entender qual é o segmento que melhor se encaixa na proposta.
“É uma solução biológica, então precisa de condições específicas de armazenamento. Precisa ficar em locais sombreados, a gente conversa com agrocupeárias, varejões, empório, para entender qual é o melhor nicho. A nossa estratégia é tornar a tecnologia disponível em todos os segmentos”, completou Natália Ferreira.
Segundo a companhia, 50% da demanda é da região de Campinas e, em todo o país, o número de caixas comercializadas é de aproximadamente 10 mil por mês. “Inclusive tivemos uma compra em dezembro de uma pessoa que queria dar de presente para a família”, afirmou.
Como expandir a proposta? 🔻
👉 Além de encontrar o melhor segmento para disponibilizar a tecnologia, outro desafio da empresa é popularizar a proposta e fazer ela chegar a bairros com menos estrutura– que, normalmente, são muito afetados por doenças como a dengue.
Uma das estratégias utilizadas foi estabelecer parcerias com marcas consolidadas para que a população comece a tomar conhecimento do que é o “Aedes do Bem”. Um desses projetos foi com uma empresa de locação de imóveis, que fez uma ação de doação de caixas para os locatários durante um período.
Natália Ferreira ainda afirmou que já existe uma negociação com a Prefeitura de Campinas para fazer a parceria de soltar os mosquitos geneticamente modificados por meio das caixas grandes, em locais públicos da cidade, como já existe atualmente em cinco cidades do país. Entretanto, o governo municipal informou ao g1 que, por enquanto, não há informações sobre tratativas.
Mosquitos transgênicos ‘Aedes do Bem’ são soltos na região central de Piracicaba – Dengue — Foto: Reprodução/EPTV
Quais cidades o Aedes do Bem está ativo? ✅
A liberação dos mosquitos nas caixas grandes, sempre em parceria com a administração, está presente nas seguintes cidades:
- Congonhas (MG)
- Manaus (AM)
- Segredo (RS)
- Patos de Minas (MG)
- Suzano (SP)
Há riscos? E qual é a eficácia? 🚨
👉De acordo com a companhia, não existe risco na liberação do “Aedes do Bem”. “Não afeta outras espécies de insetos benéficos ao meio ambiente, como abelhas, borboletas e joaninhas, não causam nenhum dano ao meio ambiente, às pessoas e aos animais. Não são tóxicos e nem alergênicos. Não se concentram ao longo da cadeia alimentar e não causam efeitos adversos quando consumidos por outros animais”, diz a empresa.
Em relação à eficácia, a empresa afirma que é a mesma que o modelo tradicional do “Aedes do Bem”. A projeção é de reduzir em até 100% a proliferação de mosquitos fêmeas no ambiente.
Quais foram os resultados em Indaiatuba?
De 2018 a 2023, a Oxitec e a Prefeitura de Indaiatuba fizeram uma parceria para soltar o “Aedes do Bem” em 12 bairros. Em 2022, um artigo científico foi publicado pela Revista Frontiers, mostrando resultados ao longo de 11 meses de tratamento em áreas muito povoadas.
Os resultados apontados pela organização foi de 96% da população de Aedes Aegypti reduzida nas áreas tratadas.
Ao g1, a Prefeitura de Indaiatuba informou que optou “pelo acompanhamento desta capacidade do mosquito para analisar esta temporada sua eficiência sem novas liberações apenas acompanhando suas futuras gerações”, e está analisando novos estudos de liberação para a temporada de 2025/2026.
Fonte: g1*