Maria José Rocha Lima
“A escola pública – menina dos olhos das verdadeiras democracias – não poderá existir, se não mudarmos a orientação a respeito dos orçamentos do ensino público.”
(Anísio Teixeira)
Uma ação jurídica memorável para a história das lutas dos professores baianos e brasileiros foi impetrada na Bahia. A ação das entidades pede ao governo e prefeituras que apresentem salários de professores em juízo.
Uma mobilização da Associação Classista de Educação e Esporte da Bahia (ACEB), Associação dos Funcionários Públicos do Estado da Bahia (AFPEB) e Federação dos Trabalhadores Públicos do Estado da Bahia (FETRAB) vai requerer aos municípios baianos e ao governo do estado a apresentação, em juízo, dos valores desembolsados com a folha de pagamento dos professores em atividade e do valor anual transferido nos últimos cinco anos.
A iniciativa aconteceu após a realização de estudos, realizados pela assessoria jurídica das entidades, que revelam que a aplicação do limite mínimo do recurso do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) com pagamento de remuneração dos profissionais do magistério vem sendo ignorada pelos entes públicos.
Na visão da presidente da ACEB, diretora Jurídica da FETRAB e conselheira da AFPEB, Marinalva Nunes, a iniciativa inédita das entidades, implementada pelo Escritório Falcão Rios Advocacia, decorre do desconhecimento sobre como o incremento ocorrido no ano de 2021 foi utilizado pelos entes públicos.
Para a presidente da ACEB, “se os recursos do FUNDEB fossem adequadamente utilizados ao longo do ano para pagamento do piso salarial do magistério, que infelizmente não tem sido respeitado e para a devida qualificação dos professores, provavelmente não sobrariam recursos para serem rateados, mas, como isso não aconteceu, precisamos entender como os recursos foram utilizados, quanto sobrou e como o rateio dos valores não utilizados será feito pela primeira vez no âmbito do Estado da Bahia e de vários municípios baianos”.
Marinalva destaca: “Não podemos aceitar que a contabilidade criativa dos entes públicos cause prejuízo aos interesses dos professores e servidores. As informações que estamos requerendo precisam ser claras, pois tudo indica que teremos este ano boas surpresas para a categoria”.
Para além da análise dos gastos em seu valor global, a estratégia é escrutinar individualmente as rubricas de pagamento, para identificar eventual glosa indevida de gasto com a remuneração de professores. Na hipótese, como se espera, de identificar gastos inferiores, as entidades buscarão a correção junto ao Estado e aos municípios. “Havendo negativa, o Judiciário será provocado coletivamente para vindicar o pagamento retroativo do rateio dos últimos cinco anos, assim como para obrigar os entes públicos a cumprirem corretamente a determinação constitucional”, explicou o advogado Jorge Falcão.
Segundo o presidente da AFPEB, Karlos Kauark, a atuação conjunta das entidades se mostra imperiosa diante da maior crise vivenciada pelos servidores de todas as esferas. “Espero que a ação resulte em um alívio para as finanças dos profissionais do magistério em atividade”, declarou.
Para o coordenador em exercício da FETRAB, Leonardo Fernandes, “o momento exige união, única maneira de melhorarmos o péssimo tratamento que hoje é destinado aos servidores públicos, especialmente aos professores, sempre chamados a pagar a conta da crise provocada pelos nossos governantes”, resumiu.
O extinto FUNDEF (Lei 9.424/96) destinava 60% dos recursos para pagamento de salários de profissionais da educação, mas a nova regulamentação do FUNDEB (Lei 14.113/20) ampliou esse percentual para 70%.
A legislação é clara quando aponta que todos os recursos do Fundo devem ser aplicados exclusivamente na manutenção e desenvolvimento da educação básica pública e na valorização dos profissionais da educação, incluída sua condigna remuneração.
Também merece nossos aplausos a ação do TCE/PB de investigar se o governo pode pagar relações públicas da orquestra sinfônica com recursos do FUNDEB.O TCE considerou procedente a denúncia do SINTEP/PB e notificou o governador da Paraíba para justificar a aplicação dos recursos do FUNDEB para finalidades não previstas e em prejuízo da educação pública e do piso salarial dos professores/as da rede oública estadual.
Na análise de denúncia, o TCE lembrou a Nota Técnica nº 02/2021, emitida com o objetivo de orientar o trabalho dos auditores sobre as “alterações legislativas vigentes a partir de 2021 relativas ao FUNDEB”, na qual enfatizou a necessidade de acompanhar o emprego dos recursos do Fundo.
Este é um assunto que deveria mobilizar o Ministério Público em todo o país.
Maria José Rocha Lima e mestre e doutora em educação e psicanálise. Foi deputada de 1991 a 1999. É diretora administrativa da Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise –ABEPP. Filiada à Soroptimist International SI Brasília Sudoeste.