Marinha e Defesa Civil de Minas Gerais vão investigar por que o paredão se soltou e se os barcos de passeio poderiam estar no local. Para geóloga, mapeamento poderia ter evitado a tragédia.
O desabamento de um paredão no lago de Furnas, em Capitólio (MG), pode ter sido acelerado por erosão do solo e infiltrações de água das fortes chuvasque atingem todo o estado há dias, segundo especialistas.
Eles também destacaram o fato de que paredões e falésias costumam ceder naturalmente e, conforme o turismo avança, isso passa ser mais conhecido.
Para Joana Paula Sanchez, especialista em turismo geológico e professora da Universidade Federal de Goiás, um mapeamento técnico da região poderia ter evitado que pessoas estivem tão próximas de uma área de risco.
O desabamento no começo da tarde deste sábado (8) deixou 7 mortos, dezenas de feridos (4 ainda estão internados) e 3 desaparecidos.
A Marinha do Brasil informou que um um inquérito será instaurado para apurar as causas e a Polícia Civil também também já investiga o caso. Além disso, a Marinha deve investigar se os barcos de passeio poderiam estar ali, dadas as condições climáticas e os alertas meteorológicos.
Condições climáticas e geológicas
Além das chuvas intensas dos últimos dias, pesa o fato de a região ser basicamente formada por rochas que possuem uma resistência menor (leia mais sobre ela ao fim da reportagem).
“A entrada de água nessas áreas pode fazer a rocha perder a coesão, que é a resistência interna”, explicou tenente Pedro Aihara, porta-voz do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais.
Fábio Braz, da Sociedade Brasileira de Geologia, também acredita que as chuvas contribuíram para a queda. “Essa questão das chuvas muito intensas, por períodos muito longos, [faz] o solo se encharcar. O sedimento se encharca e não existe mais aquela penetração ao longo da superfície, então começa haver o escoamento”, explicou.
“Outra coisa que chama atenção é esse fraturamento horizontal”, destacou o geólogo. “Você vê que o bloco se desprende numa fratura praticamente em 90 graus. Você vê que começa a rachar horizontalmente na base e, depois, tem esse desprendimento verticalizado, quando o bloco tomba.”
Aihara, dos Bombeiros, também afirmou que o desmoronamento de rochas é comum em Capitólio e que o que agravou a situação foi o tamanho e modo como as pedras caíram.
“Nesse caso, como a gente teve esse tombamento perpendicular, e pelo tamanho da rocha, a gente acabou tendo essas pessoas diretamente afetadas”, disse. “Geralmente, esse tipo de desmoronamento acontece com as rochas caindo até mesmo de pé, e não perpendicular, como foi neste acidente.”
Fenômeno natural
Gustavo Cunha Melo, especialista em gerenciamento de risco, disse à GloboNews que a rocha que despencou aparentava estar com muita erosão. Ele também afirmou que a queda é parte de um fenômeno natural.
“Desabamentos de falésias acontecem em algumas praias do Nordeste. E, no caso desse cânion, são acidentes naturais, eles vão acontecer. Essa rocha estava com muita erosão, totalmente fragmentada. Aparece uma cicatriz incrível na rocha e ali iria desabar em algum momento”, disse.
“A tromba d’água pode explicar o desabamento neste momento? Pode, assim como também não precisava nada – ela ia desabar em algum momento por erosão, por um processo natural”, afirmou Melo.
Tiago Antonelli, do Serviço Geológico do Brasil, concorda que esse tipo de queda é natural em formações rochosas e acontece no país todo. Para ele, a chuva acelera tanto a formação quanto o tamanho dessas trincas.
“A queda, no meu ponto de vista, está ligada a vários fatores, mas principalmente, nesta época do ano, às chuvas que percolaram as trincas e fraturas que existem”, afirmou. “Então, a trinca foi sendo percolada com água, os sedimentos foram saindo e [isso] acelerou o processo erosivo que culminou na queda desse bloco”, disse.
“Esse tipo de evento é natural e ocorre aos milhares no Brasil inteiro. O que acontece é que hoje o turismo está avançando para regiões que antes não se conhecia”, analisou. “E hoje as pessoas estão portando celular e câmera fotográfica e, com isso, conseguem relatar esse tipo de evento e até sofrer com as consequências”.
“Mas, no meu entendimento, é um evento natural que acontece aos montes no Brasil inteiro”, completou Antonelli.
Falta mapeamento de riscos
Segundo Joana Paula Sanchez, especialista em turismo geológico e professora da Universidade Federal de Goiás, a existência de um mapeamento técnico da região poderia ter evitado que pessoas estivem tão próximas de uma área de risco.
“Nessa região, que tem muito quartzito, que sofreu uma deformação, é comum que essas rochas sejam fraturadas. Cair um paredão de pedras não é tão comum, mas pode acontecer”, afirmou, em entrevista à GloboNews.
Para Joana, as mortes poderiam ter sido evitadas caso existisse um mapeamento geológico da região — e essas informações fossem usadas para que autoridades impedissem barcos e turistas chegassem tão próximo das pedras, principalmente em época de chuvas.
“O que acontece hoje em dia é que a gente não tem mapeamento geológico nesses locais de uso turístico. É muito raro existir uma análise geotécnica, uma análise por um geólogo, de riscos desses locais”, disse.
“Faltam profissionais, mas falta muito mais as gestões públicas saberem que o geólogo não é só para mineração. A gente trabalha também com risco de acidente. Esse acidente poderia ter sido evitado, sim. Esse bloco já estava se deslocando da parede, dá pra ver que ele já estava fraturado”, completou Joana.
O prefeito de Capitólio, Cristiano Silva, disse que nenhuma norma impedia as lanchas de estar naquele local, próximas do paredão. Segundo ele, o que não pode é atracar no cânion para que os banhistas entrem na água.
Formação geológica
Conhecido como “Mar de Minas”, o Lago de Furnas é um dos maiores lagos artificiais do planeta. A região é formada por seus famosos cânions e águas navegáveis. Antes da chegada da água, havia diversas fazendas que agora estão submersas.
“A rocha que compõe esses paredões é formada por grãos de areia”, resumiu Antonelli, do Serviço Geológico do Brasil.
“As rochas que ocorrem em Capitóliosão rochas quartzitas. Não são rochas sedimentares, são metamórficas, são mais duras”, descreveu Joana, da Universidade Federal de Goiás.
“O que acontece é que a região sofreu deformações, que geraram todas essas fraturas e falhas que a gente enxerga. A gente enxerga as rochas muito fraturadas, cheia de espaços vazios — e foi um desses espaços grandes que fez ceder esse bloco.”
“Essa areia, ao longo do tempo, com temperatura, com pressão, ela formou a rocha e, agora, com os processos erosivos — e com as chuvas, com os ventos —, ela volta a ser areia. É uma rocha que é frágil, que é mais suscetível a ocorrer evento que vimos em Capitólio”, concluiu.
Fonte: G1