Ainda, 74% da população acham que as situações em que o aborto é permitido no país devem ser mantidas ou ampliadas
No país, 9 em cada 10 brasileiros (87%) acreditam que a mulher vítima de estupro deve ter a opção de abortar, como previsto em lei. Ainda, 74% da população acham que as situações em que o aborto é permitido no país devem ser mantidas ou ampliadas.
Em contraste, somente 12% acham que o aborto não deveria ser permitido em nenhum caso —número que sobe para 16% entre evangélicos. Atualmente, o aborto só é permitido no Brasil em casos de estupro, anencefalia do feto ou risco de morte para a mulher.
Os dados são da pesquisa “Percepções sobre o direito ao aborto em caso de estupro”, realizada pelo Instituto Patrícia Galvão em parceria com o Instituto Locomotiva. Foram entrevistadas 2.000 pessoas com 16 anos ou mais em todo o território brasileiro entre 27 de janeiro e 4 de fevereiro deste ano. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais.
O levantamento também indica que 64% dizem que ninguém faz um aborto porque quer, mas porque precisa, especialmente se aquela menina ou mulher tiver sido vítima de violência sexual.
E, entre as mulheres, 3 em cada 4 (75%) afirmam que gostariam de ter a opção de abortar após sofrer um estupro, número que vai para 2 em cada 3 (64%) quando são consideradas as pessoas que se declaram evangélicas.
No Brasil, segundo dados Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma mulher foi estuprada, em média, a cada dez minutos no último ano. Isso equivale a 56,1 mil mulheres, incluindo menores de idade (considerado estupro de vulnerável), violentadas em 2021.
Esses números, porém, devem ser subnotificados, alerta o fórum, pois muitas vezes a mulher ou menina vive com o agressor e não o denuncia. Segundo a pesquisa do Instituto Patrícia Galvão, os agressores são na esmagadora maioria conhecidos da vítima (71% no caso de estupros de meninas, e 69% para as mulheres adultas).
Ainda de acordo com o levantamento do Instituto Patrícia Galvão, 64% dos entrevistados (equivalentes a 122,6 milhões de brasileiros) disseram conhecer uma mulher ou menina que já foi vítima de estupro. O assédio sexual já foi sofrido por 16% das entrevistadas, o que representa 14,1 milhões de brasileiras.
O percentual das participantes da pesquisa que afirmam possuir medo ou muito medo de serem violentadas também chama atenção. É de 95%.
No Brasil, a violência sexual possui também um caráter desigual na sociedade. De acordo com a pesquisa, 57% consideram que as meninas e mulheres negras são as principais vítimas de estupro, frente a 36% das brancas. O número salta para 65% quando consideradas as respostas apenas das pessoas negras entrevistadas.
Além disso, a ocorrência de aborto clandestino é vista como uma das principais causas de morte de grávidas no Brasil para 84% das pessoas ouvidas.
Para Jacira Melo, diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão, os dados da pesquisa mostram que a maioria da sociedade brasileira concorda com o direito ao aborto em caso de estupro e, sobretudo, como a criminalização do aborto em outras situações acaba penalizando mais as mulheres pobres.
“A pesquisa revelou que para 77% dos brasileiros as mulheres mais pobres são as que mais sofrem com a prática ao realizar um aborto em uma condição precária e que para dois terços da sociedade a criminalização da prática não resolve o problema”, diz.
“Isso é relevante quando vimos o contexto atual político de tentar reduzir os acessos já garantidos por lei”, completa.
A pesquisa também indica que a percepção do que é um ato de violência sexual ainda é falha na sociedade brasileira. Muitos veem certas ações que podem ser enquadradas por lei como estupro como situações que não configuram a agressão.
Por exemplo, para 21% dos entrevistados, um homem fazer sexo com uma menina menor de 14 anos mesmo que ela autorize não é considerado um estupro (na lei, o entendimento é de que é).
Para a ginecologista e obstetra Ana Teresa Barbosa, diretora médica e responsável técnica da ONG Nosso Instituto, é inaceitável ainda no país que centenas de mulheres morram todos os anos por realizar abortos de maneira clandestina.
“Muitas pessoas não sabem que qualquer menina com menos de 14 anos que engravida pode fazer o aborto, porque é considerado estupro de vulnerável. Esse entendimento da lei é o que vai fazer a diferença em ela ter esse direito consentido ou não”, afirma.
Outro ponto indicado pela pesquisa é que a maioria não sabe qual o caminho a percorrer ao sofrer uma violência sexual —como se é preciso primeiro buscar um serviço de saúde ou de polícia, por exemplo—, e 8 em cada 10 mulheres que responderam terem sido vítimas de estupro disseram que não buscaram fazer denúncia.
“Muitas das meninas e mulheres não sabem que não é preciso fazer um boletim de ocorrência para poder ter o direito ao aborto legal após um estupro”, explica Barbosa.