Em dois documentos, a agência de inteligência orienta o filho do presidente com vistas à anulação do caso que investiga rachadinha na Alerj
A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) produziu pelo menos dois relatórios de orientação para Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e seus advogados sobre o que deveria ser feito para obter os documentos que permitissem embasar um pedido de anulação do caso Queiroz. Os documentos foram revelados nesta sexta-feira (11/12) pela revista Época.
Advogados do filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) alegam que a Receita Federal teria feito um escrutínio ilegal em seus dados fiscais para fornecer o relatório que gerou o inquérito do caso Queiroz, como ficou conhecido o processo das “rachadinhas” supostamente praticadas por Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Nos documentos, a Abin busca demonstrar a nulidade processual resultante de acessos imotivados aos dados fiscais da Receita.
Flávio Bolsonaro é investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) pela prática de rachadinha na época em que era deputado estadual na capital fluminense. O crime consiste no confisco de parte dos salários dos funcionários.
Em novembro, o MP-RJ apresentou denúncia contra Flávio por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. O senador foi apontado como líder da organização criminosa e o ex-assessor, Fabrício Queiroz, como operador do esquema de corrupção.
Os documentos contrastam com uma versão do general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que afirmou publicamente não ter ocorrido atuação da Inteligência do governo, após a defesa do senador levar a denúncia a Bolsonaro, a ele e a Alexandre Ramagem, diretor da Abin, em 25 de agosto.
Ramagem recebeu, das advogadas de Flávio, uma petição solicitando uma apuração especial para obter os documentos que embasassem a suspeita de que ele havia sido alvo da Receita. A partir daí, a Abin produziria relatórios com orientações sobre o que Flávio deveria fazer.
Questionamentos
No primeiro documento, a Abin classifica como uma “linha de ação” para cumprir a missão: “Obtenção, via Serpro, de ‘apuração especial’, demonstrando acessos imotivados anteriores (arapongagem)”. O texto discorre então sobre a dificuldade para a obtenção dos dados pedidos à Receita e faz imputações a servidores da Receita e a ex-secretários, a exemplo de Everardo Maciel.
“A dificuldade de obtenção da apuração especial (Tostes) e diretamente no Serpro é descabida porque a norma citada é interna da RFB da época do responsável pela instalação da atual estrutura criminosa — Everardo Maciel. Existe possibilidade de que os registros sejam ou já estejam sendo adulterados, agora que os envolvidos da RFB já sabem da linha que está sendo seguida”, diz o relatório, referindo-se a José Tostes Neto, chefe da Receita.
O relatório sugere a substituição dos “postos”, em provável referência a servidores da Receita, e, sem dar mais detalhes, afirma que essa recomendação já havia sido feita em 2019.
Ramagem é delegado da Polícia Federal e chegou a ser nomeado diretor da corporação em abril. No entanto, após acusações feitas pelo ex-ministro Sérgio Moro de que Bolsonaro estaria tentando interferir na Polícia Federal, Ramagem retornou para o comando da Abin, órgão em que estava antes do imbróglio na PF.
O segundo documento enviado pela Abin a Flávio sugere que a defesa peticione ao chefe do Serpro o fornecimento de uma apuração especial sobre os dados da Receita, baseando-se na Lei de Acesso à Informação — o que de fato a defesa de Flávio Bolsonaro faria.
O relatório sugere ainda “neutralização da estrutura de apoio”, com a demissão de “três elementos-chave dentro do grupo criminoso da RF”, que “devem ser afastados in continenti”. São eles: o corregedor José Barros Neto; o chefe do Escritório de Inteligência da Receita no Rio de Janeiro, Cléber Homem; e o chefe do Escritório da Corregedoria da Receita no Rio, Christiano Paes.
O que dizem os citados
Procurada, a advogada de Flávio Luciana Pires confirmou a autenticidade dos documentos e sua procedência da Abin, mas se recusou a comentar o conteúdo. Já o GSI negou a existência dos documentos, mesmo informado que a autenticidade de ambos havia sido confirmada pela defesa de Flávio Bolsonaro, e manteve a versão de que não se envolveu no tema.
A Abin não respondeu aos questionamentos sobre a origem das acusações feitas nos relatórios nem se produziu mais documentos além dos dois obtidos pela coluna.
Fonte: Metrópoles