Miguel Lucena
A Polícia Federal pediu ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorização para usar no caso da Abin Paralela informações obtidas nas apurações do inquérito sobre suposta trama golpista em 2022 e início de 2023. O pedido foi encaminhado para apreciação, em cinco dias, pela Procuradoria Geral da República.
A PF vê ligação entre servidores públicos que podem estar envolvidos nos dois casos e acredita que os fatos podem levar a uma responsabilização na esfera administrativa.
Ante a várias perguntas que me fizeram sobre a possibilidade de a Polícia Judiciária utilizar, no âmbito de um inquérito policial, prova emprestada de outro inquérito para subsidiar as investigações, sobretudo quando envolvam as mesmas pessoas, entendemos o seguinte:
Prova emprestada é aquela produzida em um processo ou procedimento e que, posteriormente, é trasladada para outro, com o intuito de fundamentar ou subsidiar novas investigações ou decisões. Sua validade está condicionada à observância de determinados requisitos, especialmente o respeito ao contraditório e à ampla defesa.
O inquérito policial é um procedimento administrativo inquisitivo, destinado à apuração de infrações penais e sua autoria, e não se submete às mesmas formalidades exigidas no processo judicial. Nesse contexto, a utilização de prova emprestada é admitida, desde que:
a) Haja conexão ou pertinência temática: a prova emprestada deve guardar relação com os fatos investigados no novo inquérito. Isso se aplica particularmente quando as investigações envolvem as mesmas pessoas e condutas correlatas.
b) Seja respeitada a legalidade da prova original: a prova deve ter sido obtida de forma lícita no inquérito de origem. Provas obtidas mediante violação de direitos fundamentais (ex.: interceptações telefônicas sem autorização judicial) não podem ser utilizadas, sob pena de contaminação do novo inquérito (teoria dos frutos da árvore envenenada).
c) Seja observada a cadeia de custódia: A integridade e autenticidade da prova emprestada devem ser preservadas para garantir sua idoneidade.
d) Contraditório diferido no processo judicial: embora o contraditório não seja obrigatório no inquérito policial, o uso da prova emprestada deve permitir que as partes possam questioná-la no âmbito processual, caso o inquérito resulte em ação penal.
A jurisprudência brasileira admite o uso de prova emprestada em processos e procedimentos diversos, desde que observados os requisitos mencionados. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em reiterados julgados, tem destacado que a prova emprestada é válida, desde que tenha sido produzida de forma lícita e respeite o contraditório em momento oportuno.
Na doutrina, há consenso de que a Polícia Judiciária pode utilizar provas emprestadas para subsidiar investigações, tendo em vista a natureza inquisitiva do inquérito policial. Entretanto, reforça-se a necessidade de que tais provas sejam submetidas à análise crítica e contextual no momento de sua utilização.
Diante do exposto, conclui-se que é possível a utilização de prova emprestada em inquéritos policiais, desde que observados os requisitos legais, em especial:
Conexão entre os fatos investigados;
Legalidade da prova no inquérito de origem;
Preservação da cadeia de custódia;
Garantia do contraditório em momento oportuno.
Assim, a Polícia Judiciária pode valer-se dessa ferramenta, que se revela um importante instrumento para a eficiência das investigações, sempre respeitando os limites constitucionais e legais que regem a atividade investigativa.