Ilustração de O menino e o mundo. Reprodução
Miguel Lucena
Se não perdêssemos a ingenuidade, ou boa parte dela, seríamos eternamente bobos. E ela se esvai não por iniciativa própria, mas pelas ações dos outros.
Quebrando a cara ao longo da vida, vamos ficando calejados. Quando não conseguimos sublimar determinados acontecimentos ou atitudes de terceiros para conosco, a situação pode se transformar em um trauma permanente.
Eu mesmo tenho dificuldades para dar presentes desde que fui ridicularizado por uma menina de 10 anos ao dar a ela uma pulseira de contas, feita por Adília de Lourdes Raiz. Imaginava que bastava dar com sentimento algo que para mim era singelo, porém ainda não tinha maturidade para levar em consideração a expectativa do outro.
Senti-me mal, também, ao levar um sabonete para uma festa de aniversário na casa do contador José Francisco, em Princesa, mesmo que as meninas e meninos tenham me recebido muito bem, como sempre. Coincidentemente, minha bermuda se rasgou durante uma brincadeira de pique-pega, passei o resto da festa sentado com as pernas fechadas e de vez em quando uma das meninas chegava e dizia: homem senta é com as pernas abertas.
Numa festa de amigo secreto, já em João Pessoa, capital da Paraíba, dei de presente a um homem de 25 anos um boliche de plástico, o que foi motivo de risadas.
Certa vez, comprei na Riachuelo um vestido para a namorada, e ela, na bucha, disse que aquela era uma roupa de velha. “Não foi pra tua mãe, não?”.
Um dia, no início dos anos 90, apresentei dois versos para um grande compositor, para ver se eles se encaixavam em uma música, e a estrela comentou com um terceiro que eu era muito ingênuo de achar que era fácil assim. Só que, em seguida, o mestre Wilson Aragão, parceiro de Raul Seixas e autor de Capim Guiné, musicou um poema inteiro, e Rui Poetta ganhou mais de um festival no Ilê Ayiê da Bahia fazendo parceria com o ingênuo que vos fala.
Bem depois, certa figura política, me achando ingênuo, quis me empurrar uma coisas erradas, perguntei “cuma?” e caí fora.
E agora, quando ouço muito converseiro atravessado, já fico com vontade de dizer que quem cozinha com bafo é cuscuz.
O problema é muita estrela pra pouca constelação