*Frutuoso Chaves
Minhas primeiras lágrimas no cinema datam de 1957, ou 58, por aí assim, se é que se possa tratar por cinema a tela pequena instalada por Seu Zé Ribeiro no Mercado Público da paraibana Pilar, às noites das quartas-feiras, dos sábados e domingos para a exibição de filmes alocados no escritório da Metro, no Recife, sobretudo ali.
Seu Zé tomava um dos trens da Great Western (depois Rede Ferroviária do Nordeste) pela manhã e regressava ao fim da tarde com sua bagagem mágica feita de cowboys, dramas e comédias.
O menino que então eu era chorou com “A Vida e a Paixão de Cristo”, realização de 1902 lançada no ano seguinte. Filme mudo, em preto e branco, rodado pela dupla de diretores Lucien Nonguet e Ferdinad Zecca, ambos influenciados pelas gravuras bíblicas de Gustave Doré.
A versão com a qual eu e a pequena cidade nos comovíamos tinha as cores da produtora francesa Pathé Frères, um experimento de laboratório um tanto quanto sofisticado para a época. Em 1903, os 44 minutos de duração também inscreveram “A Vida e a Paixão de Cristo” na lista dos filmes mais longos do seu tempo.
Seu Zé Ribeiro me contaria décadas depois, em entrevista para a Revista A CARTA, que andou com esse filme de engenho em engenho e de cidade em cidade por todo o Baixo Vale do Rio Paraíba. E a cada exibição superlotava ambientes públicos e privados.
Quase no fim de 1950, eu e meus verdes anos saímos da sessão noturna, no compartimento de farinha e cereais do Mercado Municipal, de coração partido. Ouvi a zombaria do amigo Coló que preferia um bom tiroteio, o saque rápido e a mira de Bill Eliott, ou Durango Kid: “Gastou dinheiro para sofrer”, riu de mim.
Tão impressionante quanto as fitas assim exibidas – de porta em porta, até a construção da própria sala – era a figura de Zé Ribeiro. Disse-me que tomou paixão pelo cinema ainda menino, quando a Fábrica de Tecidos de Rio Tinto, onde morava, projetou em praça pública o primeiro filme por ele visto em toda a vida.
Já adulto, teve a oportunidade de adquirir um projetor Pathé, de 19 milímetros, do dono da pedreira na qual trabalhava em Jaboatão dos Guararapes, Área Metropolitana do Recife. O homem fazia sessões domésticas que não perdia. Punha-se na janela da casa até o dia em que foi convidado a tomar assento.
A troca daquele projetor por um mais moderno lhe trouxe a oportunidade da aquisição do mais velho. Pagou tudo, religiosamente, mês a mês e largou o emprego ao cabo da última prestação. Foi aí que se mudou para Pilar a fim de viver da pequena agricultura e da exibição de filmes nas casas grandes de engenhos de açúcar, em mercados públicos e outros locais fornecidos pelas Prefeituras.
Fez o próprio cinema, tijolo por tijolo, cadeira por cadeira, por volta de 1960, quando a televisão começava a matar as pequenas salas de exibição do interior e de bairros periféricos nas capitais. O Cine Ideal, fruto do seu suor e do seu amor à Sétima Arte, assim tida e havida, durou pouco tempo. Ah, os velhos cinemeiros. São como dinossauros. Existiram, mas nem todos acreditam.
*Jornalista profissional com passagens pelos jornais paraibanos A União (Redator e Chefe de Reportagem), Correio (Redator e Editor de Economia), Jornal da Paraíba (Editorialista), O Norte (Editor Geral), O Globo do Rio de Janeiro e Jornal do Commercio do Recife (correspondente na Paraíba, em ambos os casos). Também pelas Revistas A Carta (editada em João Pessoa) e Algomais (no Recife)