*Frutuoso Chaves
Para começo de conversa, todas as guerras são abomináveis. Nascem do propósito de conquistar e dominar. Advêm da cobiça, da ganância e, assim, dos demônios que habitam o coração do bicho-homem. São decididas em gabinetes fechados, em recintos secretos, onde os muito ricos batem ponto e tomam assento.
Falo daqueles com grana e poder suficientes para dividir o mundo em pedaços, conforme lhes sejam o alcance e o tamanho dos exércitos. Falo da imensidão e da podridão de certos conglomerados e organizações. Trato, enfim, dos que lucram com o bombardeio de homens, mulheres e crianças.
No princípio, as brigas conduzidas pelos chefes tribais davam-se pela posse de fontes, animais e lavouras. Em seguida, inventado o dinheiro, serviriam, também, à captura de seres humanos para as escravidões dos tempos bíblicos. Não menos, para a serventia abjeta, impiedosa, das colônias que a Europa cristã e civilizada espalharia no mundo. Sempre assim: a Bíblia na frente e a espada atrás.
Ah, os homens de bem, seus princípios e seus cuidados… A cautela recomenda que deles desconfiemos. E me vem à lembrança uma frase atribuída a Millôr Fernandes: “Nunca vi uma guerra iniciada por um monte de bêbados”.
Também lembro dos idos de outubro de 1962, quando o Velho Clemente, nosso vizinho, consultava o prefeito da ocasião em busca de uma escavadeira. Pretendia transferir a família da cidade para um buraco no pé de serra onde mantinha o roçado.
É que ouvira no rádio sobre a iminência da terceira guerra mundial. Terceira e última porquanto se travaria com ogivas atômicas e, por consequência, com a extinção da humanidade. Achava que um buraco naqueles ermos, na horizontal, para onde levaria alguns móveis, a mulher e os filhos, poderia livrá-lo, e aos seus, da morte certa.
De hora em hora, com locução de Paulo Rosendo, o Informativo Tabajara, na emissora do mesmo nome, o punha em contato com os acontecimentos ao derredor de Cuba onde a Marinha de Guerra dos Estados Unidos tinha ordem do presidente Kennedy para afundar qualquer navio de bandeira soviética disposto a aportar em Havana.
Motivo daquela encrenca: aviões americanos haviam fotografado, dias antes, escavações em território cubano logo identificadas pelo Pentágono como procedimento para instalação de mísseis. Isso significaria bombas russas a menos de 200 quilômetros da Flórida. A ONU intercedeu com bons resultados: Khruchov desistiu da empreitada e, então, Clemente em seus 80 anos, eu nos meus 15 e o resto do mundo respiramos aliviados. Foi a tal crise dos mísseis da qual São Google hoje nos dá conta, com lapsos de segundo, em milhares de matérias.
Fico a pensar no que os netos do meu antigo vizinho acham, hoje, em dia, da guerra na Ucrânia. Será que a identificam como mais uma disputa entre os detentores dos dois maiores arsenais atômicos do planeta? Entendem, porventura, que a anexação da Ucrânia pela Otan representaria foguetes ocidentais apontados para o coração da Rússia a 300 quilômetros de Moscou? Percebem que a mesma confusão se repete, 60 anos depois, desta vez em sentido inverso?
Sabem, por fim, que estão em disputa, agora, os negócios trilionários do petróleo e do gás numa Europa dependente em 40% daquilo que os russos fornecem?
Acho que não sabem, posto que a propaganda de guerra, seja aonde for, decide quem é mocinho e quem é bandido, enquanto impede que as vozes do lado oposto falem ao julgamento dos povos. É assim aqui e na Conchinchina. Mas devem desconfiar de que as guerras somente existem porque há quem ganhe com elas, onde quer que se travem.
*Jornalista profissional com passagens pelos jornais paraibanos A União (Redator e Chefe de Reportagem), Correio (Redator e Editor de Economia), Jornal da Paraíba (Editorialista), O Norte (Editor Geral), O Globo do Rio de Janeiro e Jornal do Commercio do Recife (correspondente na Paraíba, em ambos os casos). Também pelas Revistas A Carta (editada em João Pessoa) e Algomais (no Recife).
A escrita de Frutuoso Chaves é balsâmica, distensionante. Ainda bem. Com guerra deflagrada no Leste Europeu e uma fomentada todo dia em nosso conturbado país, “os remédios normais nem sempre amenizam a pressão”, como dizem os versos daquela canção do Rappa.
Gratíssimo, amigo.