segunda-feira, 29/12/25
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A Força da Justiça Verdadeira

Ilustração gerada por IA

 

Por Chico Araújo*

O capítulo 29 de Provérbios, inserido na tradição sapiencial de Israel, remonta ao período pós-exílico, quando a comunidade judaica buscava consolidar sua identidade e transmitir principios de vida justa e ordenada. Escrito para instruir Jovens e governantes, o livro de Provérbios tem como finalidade formar o carater, orientar a conduta e estabelecer parâmetros éticos universais.

A perícope dos versículos 1 a 4 é de uma profundidade ímpar.

Ela trata da repreensão e do fracasso, da justiça dos governantes e da alegria do povo, da injustiça e da reclamação popular, do amor à sabedoria e da dissipação dos bens, da estabilidade do País quando governado conforme o direito, e da ruína provocada por líderes ávidos por impostos.

“O homem que muitas vezes repreendido endurece a cerviz, será quebrantado de repente sem que haja cura.” (v.1) Aqui se encontra a lógica da responsabilidade individual e coletiva.

Michel Foucault, em “Vigiar e Punir”, lembra que a disciplina não é apenas correção, mas também produção de sujeitos.

Quando a repreensão não é acolhida, o fracasso se torna inevitável. A sociedade, como diria Emile Durkheim, depende da interiorização das normas para manter a coesão; quando o indivíduo resiste, rompe-se o tecido social.

“Quando os justos governam, alegra-se o povo; mas quando o ímpio domina, o povo geme.” (v. 2) Essa máxima ecoa em toda a Escritura: em Isaías 32, 1, lê-se que “Eis que reinará um rei com justiça, e dominarão os príncipes segundo o direito.” A justiça é fundamento da paz social. Agostinho, em

“A Cidade de Deus”, afirma que sem justiça, os reinos (nações) não passam de grandes latrocínios. A alegria do povo é fruto da equidade; o gemido é consequência da opressão.

“O homem que ama a sabedoria alegra a seu pai; mas o companheiro de prostitutas desperdiça os bens.” (v. 3) Aqui se vê a crítica ao desvio moral e econômico. Max Weber, em “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, mostra como a disciplina e a racionalidade econômica sustentam sociedades prósperas. O desperdício, por outro lado, mina a estabilidade.

A sabedoria é investimento; a dissipação é ruína.

“O rei [se refere a governantes, em geral] com justiça sustém a terra; mas o que exige presentes a derruba. ” Trata-se de uma denúncia contra a corrupção e a voracidade fiscal Montesquieu, em “O Espírito das Leis”, já advertia que a injustiça tributária destrói a confiança entre governantes e governados. Hannah Arendt, em “A Condição Humana”, lembra que o poder só se sustenta quando há legitimidade; sem ela, resta apenas a violência.

No Brasil contemporâneo, a mensagem de Provérbios 29 é atualíssima. A repreensão ignorada se traduz em crises recorrentes; a justiça dos governantes é a chave para a alegria do povo, mas a corrupção e a má gestão geram gemidos coletivos. O desperdício dos bens públicos, seja por desvios ou por má aplicação, ecoa no alerta contra a dissipação. E a carga tributária excessiva, sem retorno em serviços de qualidade, reflete o governante ávido por impostos que arruína o País.

Assim, Provérbios 29 não é apenas um texto antigo, mas um espelho da realidade política brasileira. Ele nos lembra que a estabilidade nacional depende de líderes justos, de cidadãos que amem a sabedoria e de uma economia pautada pela responsabilidade. A perícope (V.1-4) é uma síntese de filosofia prática, sociologia da ordem, teologia da justiça e ciência política da legitimidade. Ele ensina que sem justiça não há alegria, sem sabedoria não há prosperidade, e sem ética tributária não há estabilidade.

Como disse Platão em “A República”: “O preço que os bons pagam por sua indiferença à política é serem governados pelos maus.” E como reforça Tiago 3, 17: “A sabedoria que vem do alto é, primeiramente, pura; depois pacífica, moderada, tratável, cheia de misericórdia e de bons frutos, imparcial e sem hipocrisia.”

O Brasil precisa dessa sabedoria, dessa justiça e dessa coragem. Só assim o povo deixará de gemer e poderá, enfim, se alegrar.

*Advogado, jornalista, teólogo, autor de “Quando Convivi com os Ratos” (Editora Social, 2024) e “Sombras do Poder:

As Vísceras da Corrupção no Acre na Operação Ptolomeu” (Editora Social, 2025), e “Memórias de Um Repórter – Entre o Mimeógrafo e o Centro do Poder” (Editora Social, 2025)

 

 

 

 

 

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